Estou deitado
na sala, assistindo ao jornal matutino, quando escuto voz conhecida: “pai, pai...” Chorando.
Preocupado abro a porta.
Meu filho, Adônis, então o caçula: “perdi
a hora, pai. Vou ficar detido no quartel. Vão me prender, pai...”
A palavra pai soando como
S.O.S. ou Mayday, pedidos de socorro.
“Calma, rapaz, o mundo não acabou. Para tudo há uma solução.”
“Que solução, pai! Vou ser desligado do curso de cabo, eu não escutei o
despertador.”
“Calma
que a gente resolve isso. Vá vestir a farda.”
Despir-se em fração de
segundo é fácil, principalmente se a companhia, digo, o motivo, é relevante,
mas fardar-se em tempo recorde, só com a ameaça de cadeia.
Mais tarde, deitado na
rede, pensarei a respeito da covardia das guerras, quando meninos que choram
porque perderam a hora se matam sem nem saberem o porque.
“O senhor ainda vai tomar banho? Estou ferrado” (ele, ao contrário
de mim, não xinga palavrões).
“Calma, rapaz, não confia no seu pai?”
Entramos em meu carro, um
possante e veloz fusquinha meia-meia, que prolongará a agonia do garoto.
“O que é que o senhor vai dizer?”
“Não
vou dizer, vou fazer.”
“O
quê, pai, você é maluco?”
“Existem
situações sobre as quais não temos controle e você está numa situação dessas.”
“Não
estou entendendo.”
“Alguém
tem controle sobre a diarréia? É uma doença comum, boba, mas que nos
impossibilita para qualquer coisa, o médico é obrigado a dar o dia, não
interessa quem ou a quem.”
“Mas
eu não estou com diarréia, pai. Você acha que o Oficial de Dia vai acreditar no
senhor? Vai me...”
“Você
está com diarréia!”
Paro na farmácia: “me vê aí uma garrafa de limonada purgativa,
meu chapa!”
“Bebe
tudo de uma vez só!”
“Isso
tudo?”
“Prefere
ficar detido?”
Minutos depois: “a minha barriga está roncando, está mexendo
tudo, acelera aí, pai.”
Chego ao portão do
quartel, reconhecem o meu filho, peço urgência, passando mal, deixam-nos
passar.
Enquanto estou
estacionando, o pobre sai correndo, passa pelo capitão e vai ao banheiro.
Dirijo-me ao capitão: “não dormiu a noite inteira, diarréia”,
o militar me olhando com cara de quem diz fosses militar e eu te prenderia
agora, miserável.
Encaminhou o garoto para a
enfermaria e, enquanto eu esperava, para ver se o levava para casa ou
permaneceria no quartel, na enfermaria, pude ouvir uma testemunha, que estava no
banheiro: “o Adônis está mal. Cagou até
as tripas! Derreteu.”
In "Não Haverá Mais Natais", romance autobiográfico.
In "Não Haverá Mais Natais", romance autobiográfico.
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