P1 – Você de
novo, audiência de pico. Bom dia. O assunto hoje é violência, um assunto que
interessa a todo mundo.
FC – Bom
dia! É muito legal estar aqui de novo. Pra você que está em casa ou no
trabalho, ligadinho, bom dia.
P1 –
Começamos a ter casos de justiça com as próprias mãos, como no caso daquele
adolescente que foi amarrado nu, no poste, e outros semelhantes. Você acha que
o povo brasileiro está ficando mais violento?
FC – Antes
da gente começar a discutir isso é preciso acabar com dois mitos, o de que o
povo brasileiro é pacífico, e que a violência não faz parte da índole
brasileira, que é o discurso dos que nos querem quietinhos.
P1 – Porque
mitos?
FC – Quem
escreve a história é a classe dominante, a história é a versão e a
interpretação dos fatos feitas com os olhos e sob os interesses da classe
dominante, então o que temos é a visão que ele têm deles mesmos e de nós, é o
que está nos livros, o que nos ensinaram.
P1 – Fatos
que contrariem essa visão de que somos pacíficos.
FC – Pra
responder isso temos que ir lá no início da nossa história. Temos quinhentos
anos de história, mais de quatrocentos escritos pelos portugueses, quer dizer,
com tudo rolando e sendo descrito de acordo com os interesses deles, e daí visão de que o portugueses foram bonzinhos,
pacíficos, solidários... O que não é verdade. O império português, como todos
os impérios, não foi menos cruel e explorador que o império espanhol, o romano,
otomano, inglês, ou do que é hoje o norte americano.
P1 – Fatos.
FC – Fatos.
Os cálculos são muito divergentes, indo de cinco milhões e doze milhões. Por
medida de segurança, fico em nove milhões. Quando o Brasil foi descoberto havia
aqui nove milhões de índios, hoje existem duzentos e dez mil. Foram quatrocentos
anos de matança de índios, feita pelos portugueses, e cem anos de matança feita
pelos próprios brasileiros.
Os portugueses chamam isso de
colonização, nós chamamos de progresso.
Quando Hitler quis exterminar os
judeus chamamos de genocídio. Se Hitler tivesse vencido a guerra, chamariam de
necessidade histórica ou qualquer coisa assim. Se os índios tivessem revertido
a situação, descreveriam as ações dos portugueses e brasileiros como
holocausto. A história é a versão do vencedor.
P1 – Mas não
dá para comparar o nazismo com isso que você citou.
FC – Não? Vá
na literatura da época: colonizadores pegando bebês índios pelos pezinhos e
esfacelando os crânios contra troncos de árvores, estuprando índias, queimando
aldeias com os habitantes dentro: ficar e morrer queimado ou correr e ser abatido
a tiros, crianças, velhos.
Vá na correspondência dos
poderosos, com os jesuítas dando conta a seus superiores de que “muitos
mandamos para o reino do senhor”, leia-se mataram.
E quantos morreram de
tuberculose, contaminados pelos Jesuítas? O próprio Manoel da Nóbrega, chefe da
missão jesuíta no Brasil, era tuberculoso.
E a matança continua, as
reservas continuam sendo invadidas, para saque de minérios, madeiras nobres e
biopirataria. As índias continuam sendo estupradas, os índios assassinados, e o
que fazemos? O que faz a sociedade organizada? Nada, é cúmplice porque
beneficiária.
A economia é o motor da história, e bom é o que é vantajoso. Valores
morais, éticos, religiosos variam no tempo e no espaço em função da economia,
do dinheiro, não se iluda.
P1 – Fala
dessa variação porque não ficou bem
claro.
FC – Os
Estados Unidos e a União Europeia estão pulando como pipoca por causa da
questão ucraniana, da Crimeia, mas se esquecem que a poucos anos atrás fizeram
exatamente a mesma coisa na então chamada Iuguslávia: para neutralizar a
influência de Tito, de uma sólida organização socialista, aproveitaram-se das
diferenças étnicas e esfacelaram o pais: Kosovo, Sérvia, Montenegro... É o
“faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”.
P1 - Tem um telefonema com uma pergunta pra você,
pedindo pra você falar alguma coisa sobre a Guerra do Paraguai.
FC – Solano
Lopes, meu xará, também era Francisco, fez uma reforma agrária profunda, no
Paraguai, pegou o melhor da sua juventude e mandou para a Europa; Lisboa,
Madri, Paris, Londres... Para estudar e voltar trazendo tecnologia para o país,
exatamente como a Dilma faz hoje, com o Ciência sem Fronteiras. Procurou
industrializar o país, importando máquinas. Criou a primeira fundição na
América do Sul... E a Inglaterra sentiu que perdeu um pedaço do seu quintal e,
pior, que se criara um mau exemplo que poderia se estender por todo o quintal.
Armou o Brasil, o Uruguai e a
Argentina e fizemos com os paraguaios o que os Estados Unidos fez com o Iraque,
Vietnã, Coreia... Invadimos e destruímos tudo.
Há descrições da guerra que dão
conta de capinzais incendiados porque tinha crianças escondidas nele. Quem
ficava morria queimado, quem saía, morria a tiros, exatamente como os
portugueses e latifundiários fizeram com os índios e os americanos com os
vietnamitas.
Os ingleses olharam o Paraguai como os americanos olham Cuba, só que os
Paraguaios não tinham uma Rússia por trás.
P1 – Quem
sabe sabe... Acabou que perdemos o foco do assunto, a violência atual.
FC – Não
perdemos o foco. Voltei na história para mostrar que o brasileiro não tem nada
de pacífico, bonzinho... A própria história recente mostra isso, quando na
ditadura militar se torturou, matou sumariamente, baniu, exilou, até crianças
de menos de dois anos.
O brasileiro não é menos
belicoso e agressivo que qualquer outro povo. Querem nos fazer crer que somos
assim porque isso é útil para a classe dominante e para o capital.
Você examina o sul e é só
história de revoltas e revoluções, a começar pela Farroupilha. Vai no nordeste
e é uma porradaria só, a começar que o maior ídolo lá é um Robin Hood à
brasileira, Virgulino Lampião.
A história do Brasil, como todas as outras, no mundo, é a história da
luta de classes.
P1 – Vou
voltar para a pergunta inicial: como você justifica esses casos de justiça
pelas próprias mãos, como no caso do adolescente amarrado no poste?
FC – Isso
sempre aconteceu, sempre foi pratica comum nas periferias urbanas de todas as
cidades brasileiras. Qual é o brasileiro que nunca viu um cadáver baleado, no
chão, na via urbana? Ganhou visibilidade agora porque chegou em Copacabana,
Ipanema, no Morumbi... Nos chamados bairros nobres.
Os maus comportados da classe
dominada foram sempre vítimas da classe dominante.
P1 – Você
situa a violência urbana no âmbito da luta de classes?
FC – Claro.
Tudo está subordinado à economia, rapaz, não há como fugir disso.
P1 – Você
não vê isso como resultado da morosidade da justiça brasileira, da corrupção
policial, da insatisfação generalizada do povo?
FC – Sim,
mas vamos às origens disso e vou lhe dar um exemplo prático, real: tive um
Vectra que era um escândalo: com aerofólio, rodas de magnésio, clássicas, ar
condicionado, vidros fumê, bancos reclináveis, que se juntavam com os de trás,
para virar cama, rebaixado, sempre lavado e polido... Uma joia.
P1 – Um
motel sobre rodas...
FC – Mais ou
menos (risos). Nessa época eu era locutor de programação romântica, com algum
sucesso (mais risos). Mas voltado ao
assunto... Sabe quantas vezes fui parado numa blits policial? Nunca! Nunca me pararam, para pedir documentos ou
revistar o carro, nunca. Pelo contrário, os policiais me sorriam, faziam sinal
para passar, quando não cumprimentavam e chamavam de doutor.
Antes tive fusquinha e agora
tenho um golzinho velho, em mau estado de conservação, porque o uso no sítio,
em atividades rurais. Sabe quantas vezes fui parado em blits policiais? Só em
todas, nunca fui liberado em nenhuma. Tem polícia estou eu parado, mostrando
documentos.
No Vectra eu poderia ter
carregado armas, drogas, explosivos, contrabando... No golzinho eu tenho que
mostrar o arroz, o feijão e a ração de galinha que estou levando para casa.
E porque isso? O meu Vectra era
o meu cartão de visitas: sou rico ou classe média alta, estou fora de
suspeitas. O golzinho também é um cartão de visitas: sou pobre, sou suspeito!
A polícia é a ponta visível do
iceberg, a executora a serviço do legislativo, do executivo e do judiciário,
instrumentos da classe dominante.
P1 – Você
ainda não chegou no moleque preso no poste.
FC – Os
justiceiros desse moleque são todos da classe média alta, os que podem tudo,
inclusive todos eles com processos, até por estupro. Mas aquele moleque não
estava estuprando pobres, não estava num bairro pobre, roubando pobres... Ele
estava roubando os filhinhos de papai, então...
P1 – Mas a
opinião pública, de acordo com as pesquisas, foi a favor.
FC – A
opinião pública sabe dos antecedentes dos executores? A opinião pública tem
conhecimento das coisas que estou afirmando aqui? A opinião pública é
teleguiada pelos noticiários do rádio e da tevê, que são instrumentos da classe
dominante, a serviço dos interesses da classe dominante. Só noticia o que lhes
convém e da maneira como convém.
P1 – Chegou
um e-mail, e o Washington te pergunta o seguinte: como romper com esse círculo
vicioso: a economia condiciona o cidadão que, condicionado, mantém a economia.
FC - É difícil Washington, justamente pelo que
você apontou: o condicionado não tem consciência de que age instintivamente, e
não racionalmente, sobre os valores que lhe foram incutidos, condicionando-o.
Vou dar um exemplo: nas minhas
palestras, brinco com a plateia, justamente para mostrar que somos todos
condicionados: digo que vou escrever uma palavra num papel e que a maioria vai
descobrir o que escrevi.
A seguir, escondido, escrevo a
palavra azul, e me viro para a plateia: eu gostaria que vocês pensassem na cor
de que mais gostam, a que traz mais paz, mais tranquilidade, a que gostam de
usar nas roupas... As que vocês gostam mais de ver.
Aí começo: quem gosta mais de
preto levanta o dedo. Agora quem gosta mais de branco. De verde, amarelo... E
chego ao azul.
Aí a maioria levanta os dedos,
sempre foi assim, nunca deu zebra, e mostro o papel escrito com a palavra azul,
e explico: como afirmei, somos condicionados, inconscientemente, principalmente
através dos olhos, daí a força da televisão, e que cor vemos mais, qual é a área maior no nosso campo
visual?
E respondo: é o céu. Ao mesmo
tempo que o céu nos dá uma ideia de amplidão, espaço, liberdade, é também uma
espécie de redoma, que nos protege. Como o céu é azul, a maioria adivinhou.
Vocês não escolheram gostar mais do azul, vocês estão condicionados pelo azul
do céu, como eu. E volto ao tema central da palestra.
P1 – Muito
bom... Tem um monte de telefonemas e e-mails. Vamos começar pelos que se
repetem mais: como você justifica esse conservadorismo no povo? Tem outra:
porque o povo é tão acomodado? Tudo nesse sentido. Responde.
FC – Você
tem dois enfoques da realidade, a idealista e a materialista. Na idealista você
acredita que as ideias movem o mundo, que os pensadores modificam o mundo, que
os pensamentos humanos são o combustível que cria as coisas.
No enfoque materialista a
matéria condiciona os seres vivos, tudo o que somos é resultado das lutas pelas
nossas satisfações pessoais. Inclusive as nossas ideias nascem daí.
O idealista é fragmentado, já
que pensa coisas diferentes a cada momento. Assim o Francisco pensador é um, o
Francisco religioso é outro, o político, outro... De maneira que em mim possam
existir contradições sem incômodos.
O materialista sabe que tudo o
que pensa é de um só, dele, vítima e algoz da realidade, o que impede
contradições.
Aí as contradições: o cara é
espírita e prega que fora da caridade não há salvação, mas é contra o bolsa
família, porque onera o estado e ele vai ter que pagar por isso.
Quer dizer, entre os miseráveis
morrerem de fome, no nordeste, no interior, ou ele ter que pagar impostos um
pouco maiores, que morram todos. O sujeito é um no Centro Espírita e outro
quando sai de lá.
A mesma coisa os pentecostais,
principalmente os professores: chegam no púlpito da igreja e explicam
detalhadamente o Gênese, como Deus criou tudo... E no dia seguinte estão em
salas de aulas explicando o Darwinismo, a origem das espécies, a evolução...
Mostrando que não tem nada de divino, foram e são processos estritamente materiais, e fazem-no sem o
menor remorso.
Em que momento são hipócritas, quando negam a presença de Deus na
criação, induzindo crianças à heresia, ou quando negam o que acreditam, para
ganhar a salvação no reino dos hipócritas?
Certamente nunca questionaram
isso, nem questionarão, porque têm as personalidades fragmentadas, agem como se
fossem mais de uma pessoa.
O sujeito vai na igreja, ouve e
prega o amor o próximo, o “amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”, e como o
programa Mais Médicos vai dar votos ao partido adversário, ele quer que o
programa acabe. Quer dizer, entre a vitória do partido adversário ou do meu, a
custa de miséria sofrimento, indigência e morte, a vitória do meu.
Aí ficam alternando postagens
pretensamente cristãs e porradas no Mais Médicos, sem sequer desconfiarem da
contradição.
E assim é com professor de
história pregando voto nulo, de geografia defendendo o neoliberalismo... E tudo
evangélico.
O orai e vigiai deles é o vigiai
tudo, menos a si próprios (risos), a doutrina da fofoca.
P1 – Tem
três e-mails e dois telefonemas perguntando a mesma coisa: se você não acha que
estamos caminhando para o comunismo, que o Brasil vai ficar comunista?
FC – Quando
vejo essas postagens na net vou imediatamente na página de quem postou, para
analisar o perfil e ver se postou de má fé ou é um coxinha. Aí respondo
(risos).
A primeira coisa que temos que
saber, para fazer uma afirmação dessa, é o que é o comunismo.
Quem já leu Karl Marx, Engels,
Lênin, os filósofos de Frankfurt...? Ninguém, mas todo mundo sabe exatamente o
que é comunismo.
O comunismo está para o Brasil
como os passarinhos estão para os aquários, nada a ver, nenhuma possibilidade.
Na cabeça do brasileiro o
comunismo é uma abstração, uma ideia que contém tudo de ruim.
O comunista é ateu e impede o
exercício das religiões, sequestra crianças e leva para os quartéis, torturam e
matam, estupram, promovem o desemprego e a exploração...
Ora, a intolerância religiosa
existe entre os próprios religiosos, quem não aceita o meu Deus, é desprezível,
vai para o inferno. Quem matou e torturou foi a Ditadura Militar, com a desculpa
de estar combatendo o comunismo, e o desemprego e a exploração aconteceram no
governo FHC, de direita. Atribuem ao comunismo as próprias mazelas.
O comunismo é uma doutrina
filosófica e econômica e não uma forma de governo. Os idealistas querem mudar a
forma de gerenciar o sistema, são os de direita. Os da esquerda, que é o meu
caso, querem mudar o próprio sistema.
Quanto ao comunismo... Nos
moldes de Marx e seus discípulos, nunca existiu.
O que tivemos, após a segunda
guerra, foi dois modelos de sistemas: um, capitalista, que preconizou e
preconiza a divinização do mercado, o mercado como senhor das relações sociais,
que foi o vigente no chamado mundo ocidental. E, por oposição, um outro sistema, que
centralizou no Estado as relações sociais, substituindo o mercado pelo Estado,
e que foi erroneamente chamado de comunismo.
O comunismo preconizado por Marx
nunca existiu, e a humanidade não tem maturidade para experimentá-lo. Um sistema
de todos iguais é possivelmente o sonho do próprio Jesus Cristo, e as religiões que estão aí mostram que, nesse
estágio de debilidade mental da humanidade, é impossível.
Veio a queda do Muro de Berlin,
a fragmentação da União Soviética, e o que chamávamos de comunismo sumiu, não
existe mais, pelo menos como prática oficial...
P1 –
Discordo. E Cuba, China, Coreia...?
FC – Cuba
caminha aceleradamente para uma social democracia. Há mais de trezentas
empresas brasileiras lá, o empréstimo do BNDES, para que construíssem o porto
de Muriel, é para atender a essas empresas e outras, de outras nacionalidades.
Cada vez mais o embargo imposto pelos Estados Unidos está sendo desrespeitado,
principalmente pela comunidade europeia.
A China criou um regime híbrido
que vai ter que ter uma solução: enquanto nas áreas rurais predomina ainda as
relações socialistas, com características bem maoístas ainda, nas cidades caminham
rapidamente para uma sociedade de consumo, embora planejada.
Os chineses estão importando
Ferraris e BMWs, fabricando jatinhos executivo para o mercado interno, já a
Coreia não é exemplo de nada.
É uma ditadura dinástica, de uma
família impondo miséria ao povo e que só é chamada de comunista porque o
partido controlado pela família tem o nome de Partido Comunista.
P1 – Chegou
um e-mail mal criado. Leio?
FC – Claro
que lê (risos)
P1 – “O
entrevistado tem uma mente brilhante, como sempre nos prende a atenção, mas
hoje se perdeu. Quando ele começou a falar do estado ferramenta da classe
dominante, me interessei, e acho que todo mundo se interessou, mas ele
intelectualizou o discurso e saiu do assunto. Ordem na casa: fale mais disso
porque o povo não que saber da China, que é saber da eme que está isso aqui.”
FC – Alguém
sabe onde vende orelhas? Acabei de perder a minha (risos) Obrigadão pela mente
brilhante, é porque troquei de shampoo... Como é o nome dele?
P1 – Dela,
Marlene.
FC –
Marlene, vamos examinar os poderes, um por um: o legislativo.
Precisamos urgentemente de
reformas, para substituir leis e procedimentos de meados, quando não do início do século passado, quando foram aprovados:
uma reforma fiscal e tributária, de maneira que o pobre pague menos e o
rico pague mais impostos, que coíba tanta sonegação, que puna com rigor a
corrupção, inclusive com a expropriação judicial dos bens do corrupto; uma
reforma política e eleitoral, para que se crie a fidelidade partidária e iniba
a compra de votos e o legislar em causa própria, transferindo o mandato para o
partido, de maneira que o parlamentar não mude de partido de acordo com as suas
conveniências, criando o voto distrital
misto, para corrigir esta distorção de poucos terem o mesmo peso de
muitos; uma reforma na educação, para banir de vez essa mediocridade crônica na
educação brasileira; uma reforma judiciária, de maneira que não só os pobres
sejam condenados, diminuindo o tempo de tramitação dos processos, impedindo que
a justiça seja usada politicamente, como aconteceu agora, no chamado processo
do mensalão, descriminalizando bobagens que são consideradas crimes e
criminalizando atitudes e ações que não são considerados crimes, como as calúnias
nas redes sociais...
E porque isso não acontece? Os
deputados e senadores que deveriam votar isso são justamente os beneficiários
das distorções existentes, não mudarão nunca, jamais votarão, porque isso é o
fim deles.
Na medida em que o legislativo
age assim, perpetua-se, perpetuando os privilégios da classe dominante,
deixando a situação como está porque está bom pra eles.
Agora o Judiciário. O judiciário
brasileiro trabalha? Sim, trabalha. Em termos absolutos temos a quarta população carcerária do mundo, e a
sexta, em termos relativos, mas se formos nas cadeias, 99% dos presos são pobres das periferias urbanas,
de pele negra e origem nordestina.
Você não vê empresário preso,
político preso, liderança religiosa presa, juiz preso... É só pobre.
Há um corporativismo muito
grande. Juízes sabem que há colegas, também juízes, que vendem sentenças, que
levam comissão sobre sentenças, mas não denunciam.
Os delegados, comandantes de
polícia e corregedorias sabem que quem morre com um tiro na nuca, com a arma
encostada na pele, não morreu em troca de tiros com a polícia. Sabe que alguém
morto com vinte tiros na cara não morreu em troca de tiros com a polícia. São
execuções, mas prevalece o corporativismo e vai tudo para o autos de
resistência, para a morte em troca de tiros com a polícia.
P1 – O
telefone não para e a caixa de e-mails lotou. Tem pergunta para dez programas.
FC – Quero
comissão dos anunciantes e patrocinadores. Sou socialista mas vivo num sistema
neoliberal (risos)
P1 – Tem um
punhado de telefonemas e e-mails se referindo a criminalização e
descriminalização. Detalha isso pra gente.
FC – Primeiro
a proporcionalidade de penas, que não acontece. Você vê, esse piloto do
helicóptero tucano, que foi flagrado com meia tonelada de cocaína; vai pegar de
quinze a vinte anos de cadeia, se tanto. Aí um moleque pobre, da favela, pega a
sua bicicletinha e vai entregar dez gramas de cocaína, a troco de uma gorjeta,
para levar pão para casa; é flagrado e fica os mesmos quinze a vinte anos na
cadeia.
Os policiais ou milicianos matam cinco e ao invés de responderem a cinco homicídios, independentemente,
respondem por crime continuado, o que reduz enormemente a pena.
Isso tem que ser revisto.
Quanto à descriminalização... Você não sabe a quantidade de mulheres
presas porque foram flagradas levando maconha ou cocaína, coisa de graminhas,
para os seus companheiros nas cadeias, as que os policiais chamam de
traficantes do amor.
Pô, essas mulheres não são traficantes. Se estão fazendo isso por amor,
quer castigo pior do que impedi-las de visitar os companheiros presos? Mas não.
Lá vai o Estado sustentar as pobres por dez, quinze anos, na cadeia.
O mesmo com o moleque na bicicletinha, preso com dez gramas de cocaína.
É na primeira audiência o juiz marcar uma segunda audiência, para trinta dias
depois, e avisar: volte com uma declaração de matrícula em uma escola e a
carteira profissional assinada. Se fraudar o senhor será preso, se não vier,
será considerado foragido da justiça.
Na segunda audiência a sentença: o senhor foi condenado a três anos,
mas estou lhe dando a condicional. O senhor terá que comparecer aqui de três em
três meses, com a cópia do boletim escolar e das folhas de ponto do seu
trabalho. Se não vier, foragido. Se não tiver o aproveitamento que espero,
cadeia. E se cometer outro delito, as penas serão cumulativas e em regime
fechado. Boa sorte.
Isso é ressocializar. Agora, colocar o moleque entre quatro paredes e
dar a ele uma bola de basquete, esperando que ele saia dali um jogador de basquete
profissional é brabo. Como ressocializar fora da sociedade? Isso é uma utopia.
P1 – Reforma
educacional, que é a sua praia.
FC – Sim,
esta é a minha praia. Mais de quarenta anos nela. Há duas coisas a serem
levadas em consideração e modificadas: a própria educação, o que pretendemos
fazer com ela, com que metodologias, e para chegar onde. A formação do
professor, daqui para diante, e a
reavaliação, com reciclagem, dos que estão no mercado.
P1 – Detalha
os dois.
FC –
Primeiro a reforma da própria educação. O oprimido que inveja o opressor vai se
transformar também em opressor. A educação brasileira não dá uma visão crítica
aos alunos, capaz de fazê-los analisar a realidade e ter ânsias de mudança, de
contribuir com a mudança.
A educação brasileira, como
está, não pretende formar cidadãos, mas produzir consumidores, com o sistema
garantindo a sua própria continuidade nas escolas
É se formar, pegar o diplominha,
arranjar um bom emprego e se dividir: shopping, igreja e Zoo, pra dar pipoca aos macacos,
contestando como chato, impertinente, metido, quem não é assim, escapou da
mediocridade.
A segunda coisa é a necessidade
da educação integral, em tempo e instrução.
Em tempo porque, seja por
necessidade financeira ou realização profissional, a mulherada foi pra rua
trabalhar, e as crianças ficam nas ruas, com a empregada, com vó ou sozinhas.
Na rua estão em escola paralela,
aprendendo o errado. Com a empregada, sem vínculos afetivos. Com vó, para não
conhecer limites, porque vó é mãe com açúcar, e sozinha, com responsabilidades
que não deveria ter, sacrificando uma infância que irá buscar compensações mais
tarde, para suprir essa ausência de tempo de ociosidade necessária e de sonhos.
Então a escola tem que ser o dia
todo, com acompanhamento de profissionais competentes.
A outra questão é a da educação
integral. Os meus primeiros poemas eu declamei em sala de aula, valendo nota ou
para alimentar a minha vaidade. Os meus primeiros desenhos foram afixados,
junto com os dos colegas, nas paredes da escola, e se escrevo e faço artes
plásticas hoje, o negócio começou lá na minha infância.
Tenho um irmão que é músico
profissional, dos bons. Começou com sete anos, na bandinha da escola.
Tinha o grêmio, onde se aprendia
a fazer política, e as festas cívicas ou folclóricas eram oportunidades de
conhecimento, de desenvolvimento de brasilidade, patriotismo, consciência
social, e não oportunidade para a garotada se divertir e a escola fazer um
reforço de caixa, mais nada.
Esse despreparo é que garante o
que está aí.
P1 – Os
profissionais da educação...
FC - O
negócio está se deteriorando cada vez mais, e não só com os professores.
Excetuando as matérias técnicas,
como engenharia, arquitetura, física, química... Onde o nível não cai porque você
não tem como piorar a lógica ou mudar conceitos científicos, nas demais
está uma tragédia.
P1 – A que
você atribui isso?
FC – Ao
próprio modelo econômico.
Na década que antecedeu a ditadura
militar houve um surto desenvolvimentista muito grande, semelhante ao de hoje,
por mais que neguem, que se deu na economia, com a construção de Brasília, a
chegada das montadoras de automóveis... E que se refletiu no intelecto, na
cultura: bossa nova, cinema novo, o teatro com o Nelson Rodrigues e o Plínio
Marcos, o movimento concreto e neoconcreto, que começou nos inícios dos
cinquenta, mas que explodiu já em seus finais... E isso levou a uma demanda por
vagas nas universidades muito grande.
O que a ditadura fez? Ao invés
de multiplicar o número de universidades públicas, secou as torneiras do
investimento público em educação e abriu as pernas para o investimento
particular, nos moldes norte americanos, que os macaquinhos imitavam, e a
educação deixou de ser investimento em cultura, conhecimento, para ser um
investimento comercial como outro qualquer, fabricando diplomados como as
montadoras fabricam carros.
A gente reclama que tem uma
igreja em cada esquina, vendendo milagres, mas também tem uma faculdade em cada
bairro, vendendo diplomados. Pagou o dízimo em dia recebe a graça, pagou o
carnê em dia, recebe o diploma.
Um bom exemplo disso, e
criminoso, é o das faculdades de medicina. O sujeito mora na Barra da Tijuca,
Ipanema, e faz faculdade no interior do Estado, a centenas de quilômetros. Fica
na praia de domingo a quinta feira, na sexta viaja, assina as presenças nas
faculdades, copia o que foi dado, numa impressora, faz os testes e provas em
segunda chamada, e volta pro Rio.
Logo se forma e é mais um
cometendo erros médicos e matando, com o corporativismo dos colegas o
isentando, e vem pra net tocar a porrada nos médicos cubanos,
internacionalmente reconhecidos como entre os melhores médicos do mundo.
Pra você ver a distorção... O
Brasil não tem médicos sanitaristas nem epidemiologistas e no entanto é o
segundo país do mundo em número de cirurgiões plásticos. E porque isso? Porque
quando o pai do doutor coxinha pagou a faculdade do baby o fez como
investimento, então o doutor escolheu uma especialidade onde tirar uma ruga de
velhota rica dá o mesmo que o salário de um sanitarista o ano inteiro.
O compromisso dele não é com o
paciente, menos com o próximo, a sociedade ou a profissão. É com o dinheiro, o
que justifica tudo.
Acredito que se esse revalida,
exame feito para o reconhecimento de diplomas de médicos estrangeiros, para
exercerem a profissão no Brasil, fosse feito com todos os médicos Brasileiros,
metade não passaria.
Na prova da Ordem dos Advogados
do Brasil, em todos os anos, setenta por cento não passam, e acredito que se
fosse aplicado o revalida em nossos professores, em todos, pelo menos dois
terços não passariam.
Nossos professores, em sua
grande maioria, só sabem o que aprenderam na faculdade. O professor de
literatura não lê os contemporâneos, o de história não se atualiza, é um
repetidor de datas e nomes, o de geografia é dissertador de números e
decifrador de mapas.
Você vê, política, literalmente
quer dizer a ética da cidade, o que quer dizer mais ou menos administração das
cidades. O ser humano é um animal político, como foi dito, a única maneira de
se posicionar diante da realidade é assumindo uma posição política, e me
aparece uma postagem dizendo que todo político é ladrão. Vou ver quem é o
coxinha desmiolado e é um professor de história.
Justamente de história, o cara
que dá aula da evolução política da humanidade. E me revolto.
Como é que pode pensar assim um
técnico em política, ou que deveria ser? E quando diz isso pros filhos dos
outros, no fundo está dizendo pra procurar um tutor político, um ditador,
qualquer coisa assim, ou acredita no que posta, quando diz que Deus está no
controle, só que Ele não virá candidato.
Sem contar que quando vejo
terremotos, maremotos, avalanches, tsunamis, quedas de aviões, guerras... Acreditar
que Deus está no controle é acreditar num Deus mau.
Se não estiver no controle ou é
um Deus negligente ou não é onipotente, há um poder paralelo.
Mas como falei antes, o
idealista não tem compromisso com a coerência.
P1 – E isso
desemboca no político.
FC – Claro,
na perpetuação da divisão em classes.
É muito difícil entrar para uma
universidade pública, a relação concorrentes vagas é enorme, então quem passa é
o que fez o melhor ensino fundamental e médio, fez um bom cursinho, comprou
livros e apostilas, pagou aulas particulares... E tudo isso é muito caro, só
está ao alcance dos filhos da classe dominante, que ficam com quase todas as
vagas.
Como a formação nessas
universidades públicas é infinitamente superior a das faculdades particulares, saem
bons profissionais, valorizados no mercado de trabalho, e que vão trabalhar em
escolas de elite, nos bairros nobres.
Como têm conteúdo, preparam
alunos iguais a eles, bons, que reproduzirão as ideias da classe dominante, e
com conteúdo teórico, que os justifica, qualificando-os para continuarem no
comando da sociedade.
Enquanto isso as universidades
coxinhas fabricam professores coxinhas que fabricarão coxinhas, repetindo o
discurso da classe dominante, elogiando os candidatos deles ou pedindo golpe militar,
para garantir o que eles acham que é deles.
P1 –
Francisco, o nosso tempo está terminando, mas tenho duas perguntas, no meio
dessas dezenas, o que tem de e-mails e recados dos telefones... Você podia
agendar mais um programa, continuação desse mesmo assunto, política e
violência, feito? A gente guarda esse material todo.
FC – Feito.
P1 – Na
próxima quarta?
FC –
Fechado, estou aqui.
P1 - As perguntas: a primeira: há saída?
FC – Claro,
e já está sendo dada. A solução é colocar o povo na escola, o filho do
trabalhador na escola, mas não em qualquer escola e o governo federal vem
cuidando disso.
Antes de Lula e Dilma, a vinte
anos não se inaugurava uma universidade federal. FHC, o intelectual, não criou
nenhuma, Lula e Dilma já criaram dezoito universidades federais, e não foi em
bairro rico de cidade grande.
No dia da posse do Lula, no
primeiro mandato, havia cento e quarenta escolas técnicas federais no Brasil.
Quer dizer, desde a proclamação da república até o dia da posse do Lula, todos
os governos juntos construíram cento e quarenta escolas técnicas. Você sabe
quantas Lula e Dilma já construíram? Duzentos e noventa, mais que o dobro. Lula
e Dilma triplicaram o número de escolas técnicas de ensino médio no Brasil.
O orçamento do Fernando Henrique,
para a educação, em seu último ano de governo, foi de dezessete bilhões. O de
Dilma, esse ano, é de mais de noventa bilhões, mais de cinco vezes mais.
Repara que a pouco falei que
filho de pobre não podia ir para as universidades públicas, não tinha como se
preparar, agora vai na política de cotas, seja porque é negro, seja porque é
pobre.
A dez anos atrás só 1,25% dos
universitários eram negros, hoje já são quase 15%.
Antigamente filho de pobre ia
para a faculdade particular só para fazer curso baratos, os chamados cursos
cuspe e giz, porque não exige equipamentos: direito, pedagogia, história,
geografia...
Os outros cursos têm mensalidades de até cinco mil reais, mas Lula
criou o Prouni, que dá bolsa integral nas universidades particulares, e o
neguinho da favela, filho de peão, vai fazer medicina e engenharia.
Só esse ano o Prouni vai beneficiar mais de um milhão de filhos de
pobres, que virarão médicos e engenheiros, sonhos impossíveis, antigamente.
Você
sabe o que é o Pronatec? O mesmo esquema do Prouni, só que para alunos do
ensino médio profissionalizante.
Serão
oito milhões e setecentos mil beneficiários esse ano. É o filho do pobre se
profissionalizando em eletrônica, química, enfermagem... Em escolas
particulares e sem pagar nada.
Vocês
conhecem o programa Ciências sem Fronteira?
A
galera que está se formando nas universidades quer continuar os estudos no
exterior, e o governo banca.
É gente
saindo daqui pra se especializar na Europa, nos Estados Unidos, nos principais
centros de pesquisas do mundo, e voltando cientistas, pra trabalhar aqui, dar
aulas aqui, desenvolver pesquisas aqui.
Só esse
ano serão cinquenta e três mil. Farão as malas e partirão.
Antigamente
só filho de rico se especializava no exterior, agora o governo banca pela
competência, e não pelo berço, pelas origens.
P1 – O MC Robinho chegou e abriu mão de parte do
programa dele, enquanto a gente achar necessário.
FC – Obrigadão, Robinho, chega aí.
P1 (MC Robinho) - Parabéns pelo seu trabalho. Eu
vinha escutando o senhor...
FC - Pronto, virou culto. Que senhor, Robinho, somos
colegas de trabalho, rapaz...
P1 (MC Robinho) - Desculpa, eu não consigo chamar o
senhor de você... A idade e o seu conhecimento...
P1 - Muito
bem, então o Robinho tem direito a fazer uma pergunta.
P1 (MC Robinho) – Tá, mas antes eu queria dizer que o
pessoal lá em casa está lhe ouvindo e no caminho, eu vim a pé, tá todo mundo
ligadinho no senhor
(risada geral)
FC – Não entendi, qual foi a sacanagem dessa vez?
P1 – A Lena disse que não sabia se o Robinho ia pedir
um autógrafo um ou beijinho (mais risadas)
FC – Liga não, cara, a Lena quer acabar com a minha
viuvez na marra, isso é ciúme. Que pergunta você quer fazer?
P1 (MC Robinho) – Qual a sua expectativa para a Copa
do Mundo?
FC – Antes de eu lhe responder, só um
comentariozinho, a respeito do que você falou, de que está todo mundo ligado:
acredito. Tive um programa matinal muito semelhante a esse e tinha uma
audiência enorme.
Isso
mostra que o povo não é imbecil, como a mídia tenta passar, justificando-se,
quando dizemos que a programação da tevê
é imbecil. Esse argumento de que a tevê dá o que o povo quer é mentira.
A tevê é que imbeciliza o povo.
A minha
expectativa é a melhor possível. Teremos aqui o que a Dilma chama de Copa das
Copas porque, pela primeira vez, todos os países ex campeões estarão presentes:
Itália, Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Argentina, Uruguai e Brasil.
Faltou algum? Acho que não.
Além
disso teremos os três melhores jogadores em atividade, no mundo: Messi, Cristiano
Ronaldo e Neymar, disputando a artilharia.
Vamos
mostrar que o Brasil é mais que samba, bunda de mulata e café. Um povo que
salta de décima sexta economia para sexta economia em dez anos é um povo
esforçado, organizado, trabalhador.
Vão
descobrir que o país é lindo, pelas belezas naturais e pela intervenção humana,
pela nossa arquitetura, que não somos mais uma republiqueta de bananeiros, com
onças e índios passeando nas calçadas de Copacabana. (risos)
P1 (MC Robinho) – E a segurança?
FC – Será total. Primeiro porque o brasileiro é
fanático por futebol. Quando a bola começar a rolar uma boa parte dos
baderneiros vai virar torcedor, e segundo porque quem vai fazer a segurança vai
ser as Forças Armadas. Quero ver mascaradinho ter peito de jogar rojão e
coquetel molotov em cima do exército. Tranquilidade pura.
P1 – Uma pergunta aqui, feita por umas três ou quatro
pessoas, que gostariam que você falasse do caso daquela moça que foi arrastada
pela viatura policial.
FC – Duas coisas que se evidenciam: primeiro o
despreparo e o desprezo pela vida, do policial carioca: uma senhora está no
portão, tomando café, com um copo na mão, para uma viatura policial e os
policiais já saem atirando na direção dela. Atingem-na e, percebendo o erro,
resolvem socorrê-la, já que ainda está viva, com um tiro no pescoço e outro nas
costas.
Ao
invés de a colocarem no banco traseiro da viatura, um policial a pega pelo
braço, outro pelas pernas e jogam no porta malas do carro, como se fosse uma
carga. O carro sai em desabalada carreira, a porta do porta malas se abre e a
dona cai. Os caras param o carro e repetem a operação. Vão embora. Na estrada
Intendente Magalhães, que é movimentadíssima, a porta se abre e a dona cai
novamente, ficando presa pelo braço, no para choques.
Apesar
dos gritos dos populares, a viatura a arrastou por centenas de metros, como se
de propósito, e só depois parou, para colocá-la novamente no porta malas.
Ela
chegou morta, claro, sem pele, esfolada pelo atrito com o asfalto.
Para
piorar, a perícia constatou que a fechadura do porta malas não está com
defeito, deixaram aberta de propósito, o que cheira a queima de arquivo:
mataram-na para que ela não identificasse quem atirou nela.
A
segunda coisa que eu queria falar é sobre essa nossa condescendência com a
polícia, essa nossa acomodação diante do poder de vida e morte da polícia:
vocês estão lembrados daquele caso do garotinho, em Bento Ribeiro, João,
parece-me, o nome dele. Foi semelhante: três ladrões de carros tomaram o carro
da dona, mandaram que ela e o garotinho descessem e ele ficou preso na porta,
sendo arrastado e vindo a morrer.
Isso
ficou na mídia por mais de uma semana. Pipocaram postagens na net, uma comoção
geral. Como um dos ladrões era menor de idade, vieram logo os que pedem redução
de maioridade penal.
Agora,
uma chefe de família, funcionária pública ,mãe de família, responsável por oito
crianças, sem nunca ter tido passagem na polícia... O assunto morreu em dois
dias, porque agora não foram ladrões de carro, foi a polícia.
Sentiram
como nos acostumamos à violência policial?
P1 – Bom, vamos terminar com uma pergunta que não
poderia faltar: a marcha de sábado.
FC – Vai ser um fiasco. O povo não está disposto a
aventuras.
Vamos examinar direitinho quem é o líder dessa
palhaçada: um sujeito que tem uma página chamada nazistas aloprados, um grupo,
o OCC, Organização Contra a Corrupção, que é o responsável pelas postagens mais
caluniosas contra o governo federal, assumidamente homofóbico e racista,
fazendo piadas com pobres e nordestinos. Fez um vídeo num helicóptero, que acho
ser militar, por causa da metralhadora que ele empunhava e fingia atirar, dando
gritos histéricos, psicóticos, e sendo gago diz falar melhor que o Lula.
O vídeo
está em meu mural, no Facebook, quem quiser ver é só ir lá, e aí está toda a
diferença.
A
marcha de junho passado, aquelas passeatas, eram de cunho conservador, mas
anarquistas pró Estados Unidos. Isso não ficou muito claro no início, tanto que
partidos de esquerda quiseram aderir, eu mesmo fui a duas, mas logo ficou claro
que era coisa de direita, o povo voltou para casa e o movimento acabou.
Naquelas
passeatas de junho queriam transformar o Brasil numa Venezuela, agora é pior, é
de cunho nazista, querem transformar o Brasil numa Ucrânia, via golpe militar e
há oficiais apoiando isso, só que o povo não vai, está escaldado, maduro.
P1 – Vamos terminar porque o Robinho tem que fazer o
programa dele. Então está combinado, na próxima quarta o papo continua, o mesmo
assunto, política e violência, tem é pergunta aí. Já que estamos falando da
marcha, termina falando desse papo de golpe.
FC – Para entendermos o que está acontecendo hoje,
vamos nos reportar a 64, por ocasião do golpe militar.
Como a
maioria dos ouvintes não era nem nascida, eu vou contar: já falei hoje mesmo
que o Brasil passou por um período muito desenvolvimentista, no governo de
Juscelino, que era uma continuação do nacionalismo popular de Getúlio, do então
chamado trabalhismo.
Getúlio
suicidou-se, Dutra o sucedeu, dando sequência, veio Juscelino, depois um curto
intervalo, do maluco do Jânio, que renunciou, em tentativa de golpe que não
colou, e veio o Jango, que fora ministro de Getúlio.
Houve
um aumento do poder aquisitivo do povo muito grande, com sucessivos aumentos do
salário mínimo, a industrialização iniciada por Juscelino, continuou, e Jango
fez a proposta das então chamadas Reformas de Base, que são as mesmas que
pedimos hoje, e que também falei, só que naquela época acrescidas de mais
algumas: a reforma agrária, que depois a ditadura muito timidamente iniciou; da
educação, que a ditadura também
implementou, com a criação do MOBRAL, do artigo 99, que hoje é supletivo, a
obrigatoriedade do ensino de Moral e Cívica... A nacionalização das refinarias
de petróleo... E por aí vai.
Mas
Jango, além de brigar com a direita brasileira, tinha um inimigo muito mais poderoso,
o capital multinacional, os Estados Unidos, do qual o Brasil se afastava cada
vez mais.
Terminado
o mandato de Jango eram favas contadas a eleição de Juscelino novamente, para
dar continuidade à política popular e desenvolvimentista, iniciada por Getúlio.
A
direita concluiu que pelo voto, pela via democrática, não levava mais, e
concluiu que só um golpe militar, com o apoio da burguesia e dos Estados
Unidos, reverteria a situação.
Então agiram em cinco frentes: um: minimizar e
esconder do povo as realizações do governo Jango; dois: desmoralizar as
lideranças ligadas a Jango; três: invocar o fantasma do risco de ditadura
comunista; quatro: convencer o povo que a corrupção era desbragada e fora de
controle, e; cinco: criar um clima de baderna, enfraquecendo o poder central,
internamente, e passando uma imagem de insatisfação e anarquia para a opinião
pública internacional.
Agora
vamos analisar uma por uma e comparar com o que está rolando agora: um:
esconder e minimizar as realizações: olha quantos projetos dos governos Lula e
Dilma citei... Só referente a educação, a quantidade de escolas técnicas e
universidades construídas... Você ouve isso na Globo, lê nas revistas e
jornais? O Brasil é um dos países com maior taxa de crescimento do mundo,
embora ainda pequena , há uma crise na Europa e nos Estado Unidos. Temos uma
das menores taxas de desemprego do mundo. Este ano bateremos o Record histórico
da nossa safra de grãos: será a maior de
todos os tempos. Vamos realizar a Copa, as Olimpíadas, em dez nos saltamos de
décima sexta para sexta economia do mundo... Ontem mesmo o Krugman, que é
prêmio Nobel de Economia, disse que é muito difícil uma crise econômica no
Brasil, pela forma como vem sendo administrado... Só cinco países têm reservas internacionais
acima de um por cento do PIB, um deles é o Brasil. E o que vemos e ouvimos...
Crise, crise, crise...
Dois,
desmoralizar as lideranças. Vou dizer o que aconteceu em sessenta e quatro: arrumaram
amantes para todos os membros do governo: Juscelino era amante de uma garota
propaganda da época, a Neide Aparecida, João Goulart era corno, já que a mulher
o traía com o jardineiro do palácio; Jango era filho ilegítimo de Getúlio... E
por aí ia.
Hoje:
Lula é analfabeto, Dilma, Dirceu e Genoíno foram terroristas, mataram muita
gente, Lula tem uma amante, Dilma é sapatão, são todos ateus... E por aí vai.
Três:
invocar o fantasma do risco comunista: João
Goulart era um rico fazendeiro, católico praticante, avesso ao comunismo;
Brizola era ligado à social democracia
alemã, inimiga do comunismo. Apesar de empreendedor, tocador de obras,
Juscelino era coxinha, homem de pouca teoria política, não entendia o que era o
comunismo e também tinha medo.
O golpe
aconteceu sem nenhuma reação porque não havia armas, não havia organização para
resistência, e o partido comunista era inexpressivo em número de militantes. O
perigo comunista era uma falácia, uma mentira criada para assustar o povo, que
acreditou.
Quatro:
convencer que a corrupção era desbragada e fora de controle. O que se dizia na
época era que Brizola estava comprando todo o Rio Grande do Sul, fazenda atrás
de fazenda, que Jango multiplicava os seus rebanhos, que o dentista da filha de
Juscelino era em Nova Iorque, e o ginecologista da Dona Sara, mulher de
Juscelino, em Paris.
A
primeira providência da ditadura, já que não tinha provas de risco de revolução
comunista, foi vasculhar a vida dessas pessoas detalhadamente, em busca de
provas que eram corruptas e não encontraram nada, absolutamente nada, tanto que
depois de consolidado o golpe, nunca mais houve essa acusação.
Agora a
respeitada revista Forbes publica que Lula é uma das cinco pessoas mais
influentes no mundo, e a direita traduz que é um dos cinco mais ricos do mundo;
postam fotos de uma universidade mineira (Esalq), dizendo que é propriedade do
Lula; o filho do Lula, Fábio Ignácio, vira proprietário do Frigorífico Friboi;
compra um jatinho executivo de cinquenta milhões de dólares, que é de um
empresário brasileiro, Eike Batista; a filha da Dilma compra dez empresas, criam o mensalão e transformam caixa dois em corrupção...
O
descalabro chega a tanto que fazem uma montagem da capa da revista Veja, onde
as manchetes são: Lula acusado de ter um patrimônio de quinhentos bilhões.
São tão
ridículos que não têm noção de dinheiro... Meio trilhão, um quarto do PIB
brasileiro, fortuna que nem Bill Gates, o homem mais rico do mundo, tem.
Nessa
mesma capa aparece um resultado estatístico dando conta que Joaquim Barbosa tem
oitenta por cento das intenções de votos dos brasileiros.
Como a
data da revista é de 2002, o brasileiro nem sabia da existência de um certo
Joaquim Barbosa, que costumava dar surras na mulher, e que foi transformado em
ministro pelo próprio Lula.
Nesse ano
não havia nada a ver com mensalão, que não existia, e Lula estava começando o
primeiro mandato. São ridículos.
Quer
ver outra barbaridade? Os caluniadores ficam afirmando que Lula se aposentou
por invalidez, só porque ele perdeu o dedo. O cara perdeu o dedo em mil
novecentos e cinquenta e nove, com quatorze anos de idade, já na linha de
produção de uma fábrica, para ajudar a mãe a criar os irmãos dele.
Ele só
se aposentou quando saiu da presidência da república, que é uma aposentadoria
automática, além de já ter quase setenta anos de idade.
Já do
Fernando Henrique, que se aposentou com trinta e seis anos, não dizem nada.
P1 – Faltou a quinta.
FC – Fico tão indignado que já nem lembro mais.
P1 – A baderna.
FC – Ah, é. Mas antes uma coisinha: você sabia que o
Estado brasileiro gasta mais de cinco bilhões, anualmente, para pagar pensões
vitalícias a filhas de militares e juízes?
Tem
velhota neta de ex combatente da Guerra do Paraguai recebendo pensão, depois
vai pra net dar porrada no bolsa família, como essa Maitê Proença, que ganha
doze mil reais por mês, de pensão, e dá porrada no Bolsa família, cento e
trinta reais para cada família de miseráveis.
São amasiadas
a cento e cinquenta anos, têm trinta filhos com o mesmo homem, não se casam ou
regularizam a união estável, pra não perderem a teta governamental, ludibriando
o Estado, e depois vêm fazer postagens contra a corrupção, as corruptas.
Agora
sim, a baderna. Ufa, que estou sem fôlego!
Em
sessenta e quatro havia um sujeito, cabo dos Fuzileiros Navais, chamado Cabo
Anselmo, ele ainda é vivo, fez plástica no rosto e vive anonimamente, no
nordeste, que se transformou em homem de confiança da esquerda e do governo
federal, de Jango, arregimentando gente para os comícios, se insurgindo, nas
forças armadas, peitando os oficiais golpistas, quebrando a hierarquia e a
disciplina entre os militares, com um enorme espaço na mídia... Chegou a ser
considerado o Che Guevara brasileiro.
Pois
bem: veio a ditadura e descobriu-se que ele era um agente da Cia, e que o seu
trabalho, aparentemente revolucionário, era desestabilizar o governo federal,
pela baderna, e assustar o povo, passando a sensação que o governo tinha
perdido o controle da situação.
O alto
oficialato sabia disso e lhe dava salvo conduto para agir, facilitando o golpe.
Para encurtar:
os Black Blocs e Anonymous, os mascaradinhos de hoje, são o Cabo Anselmo de
ontem, com o mesmo propósito e as mesmas intenções.
P1 – Pra terminar, Francisco: sabemos que você odeia
perguntas pessoais, mas você é desses que deixam a gente curioso: em diversos
momentos os seus olhos se encheram d’água, em outros você foi poético, pra logo
depois babar de ódio. Nós, que somos teus seguidores na net, percebemos a
quantidade de textos que você posta por dia, e sem nada a ver um com o outro;
você posta um poema erótico, depois uma porrada política, volta lírico, daqui a
pouco está irônico, debochado... Na vida real você é a mesma coisa, um
adversário temível para os seus adversários, e um colo de mãe, para os seus
amigos, sem contar o seu lado caritativo, que você não admite discutir... Como
é que você explica essa versatilidade?
FC – (longo intervalo, pensativo) Acho que é a
passionalidade, eu vivo o que penso, só digo ou digito o que penso, e o meu
compromisso é com o que acredito ser verdade... Acho que é por aí. Isso me
permitiu chegar até aqui exatamente como eu quis chegar.
P1 – Sobre isso você não fala, eu sei. E o seu humor,
a sua ironia, que são refinados como o de poucos. Aquela resposta que você deu
ontem, no comentário, sobre a multiplicação de pães e peixes, achei
sensacional.
(MC Robinho) – Conta aí.
FC – Tinha um monte de coxinhas evangélicos,
fundamentalistas, discutindo uma postagem que enchia a bola do neoliberalismo,
e entrei: vocês cultuam aquele cara que multiplicou pães e peixes e dividiu com
os pobres?
Um,
mais ousado, me respondeu: sim, como os empresários multiplicam riquezas.
Voltei
no comentário: nessa parte ainda não cheguei. A parte onde Jesus se tornou dono
de uma rede de padarias e depois se transformou em exportador de peixes para a
Europa, ainda não li.
Ele apagou
o comentário dele. (risos)
P1 – Mais alguma coisa a acrescentar?
FC – Antes um detalhe: como o cara apagou o
comentário dele, o meu ficou sem sentido, aí entrou uma coxinha de Jesus: seu
mentiroso nojento, na palavra de Deus não tem nada de que Jesus tinha padaria e
vendia peixes, maldito! Cheia de amor cristão. (muitas risadas)
P1 – E aí?
FC – teclei a tecla que mais uso: ká ká ká...
Bom,
mais uma vez obrigadão a vocês, ao Robinho, por nos ter cedido quase meia hora,
e a você em casa, pela paciência e a
atenção.
Confia porque
o nosso país já esteve muito pior, está caminhando e caminhando bem, no rumo
certo. É confiar e colaborar, com cada um de nós fazendo a sua parte. Um beijão
em cada um.
Entrevistadores: Narjara, Lena, Sérgio Lopes e MC Robinho.
FIM