quinta-feira, 20 de março de 2014

ENTREVISTA CONCEDIDA À RÁDIO PONTO UM 19/03/2014.

P1 – Você de novo, audiência de pico. Bom dia. O assunto hoje é violência, um assunto que interessa a todo mundo.
FC – Bom dia! É muito legal estar aqui de novo. Pra você que está em casa ou no trabalho, ligadinho, bom dia.

P1 – Começamos a ter casos de justiça com as próprias mãos, como no caso daquele adolescente que foi amarrado nu, no poste, e outros semelhantes. Você acha que o povo brasileiro está ficando mais violento?
FC – Antes da gente começar a discutir isso é preciso acabar com dois mitos, o de que o povo brasileiro é pacífico, e que a violência não faz parte da índole brasileira, que é o discurso dos que nos querem quietinhos.

P1 – Porque mitos?
FC – Quem escreve a história é a classe dominante, a história é a versão e a interpretação dos fatos feitas com os olhos e sob os interesses da classe dominante, então o que temos é a visão que ele têm deles mesmos e de nós, é o que está nos livros, o que nos ensinaram.

P1 – Fatos que contrariem essa visão de que somos pacíficos.
FC – Pra responder isso temos que ir lá no início da nossa história. Temos quinhentos anos de história, mais de quatrocentos escritos pelos portugueses, quer dizer, com tudo rolando e sendo descrito de acordo com os interesses deles, e daí  visão de que o portugueses foram bonzinhos, pacíficos, solidários... O que não é verdade. O império português, como todos os impérios, não foi menos cruel e explorador que o império espanhol, o romano, otomano, inglês, ou do que é hoje o norte americano.

P1 – Fatos.
FC – Fatos. Os cálculos são muito divergentes, indo de cinco milhões e doze milhões. Por medida de segurança, fico em nove milhões. Quando o Brasil foi descoberto havia aqui nove milhões de índios, hoje existem duzentos e dez mil. Foram quatrocentos anos de matança de índios, feita pelos portugueses, e cem anos de matança feita pelos próprios brasileiros.
                Os portugueses chamam isso de colonização, nós chamamos de progresso.
                Quando Hitler quis exterminar os judeus chamamos de genocídio. Se Hitler tivesse vencido a guerra, chamariam de necessidade histórica ou qualquer coisa assim. Se os índios tivessem revertido a situação, descreveriam as ações dos portugueses e brasileiros como holocausto. A história é a versão do vencedor.

P1 – Mas não dá para comparar o nazismo com isso que você citou.
FC – Não? Vá na literatura da época: colonizadores pegando bebês índios pelos pezinhos e esfacelando os crânios contra troncos de árvores, estuprando índias, queimando aldeias com os habitantes dentro: ficar e morrer queimado ou correr e ser abatido a tiros, crianças, velhos.
                Vá na correspondência dos poderosos, com os jesuítas dando conta a seus superiores de que “muitos mandamos para o reino do senhor”, leia-se mataram.
                E quantos morreram de tuberculose, contaminados pelos Jesuítas? O próprio Manoel da Nóbrega, chefe da missão jesuíta no Brasil, era tuberculoso.
                E a matança continua, as reservas continuam sendo invadidas, para saque de minérios, madeiras nobres e biopirataria. As índias continuam sendo estupradas, os índios assassinados, e o que fazemos? O que faz a sociedade organizada? Nada, é cúmplice porque beneficiária.
A economia é o motor da história, e bom é o que é vantajoso. Valores morais, éticos, religiosos variam no tempo e no espaço em função da economia, do dinheiro, não se iluda.

P1 – Fala dessa  variação porque não ficou bem claro.
FC – Os Estados Unidos e a União Europeia estão pulando como pipoca por causa da questão ucraniana, da Crimeia, mas se esquecem que a poucos anos atrás fizeram exatamente a mesma coisa na então chamada Iuguslávia: para neutralizar a influência de Tito, de uma sólida organização socialista, aproveitaram-se das diferenças étnicas e esfacelaram o pais: Kosovo, Sérvia, Montenegro... É o “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”.

P1 -  Tem um telefonema com uma pergunta pra você, pedindo pra você falar alguma coisa sobre a Guerra do Paraguai.
FC – Solano Lopes, meu xará, também era Francisco, fez uma reforma agrária profunda, no Paraguai, pegou o melhor da sua juventude e mandou para a Europa; Lisboa, Madri, Paris, Londres... Para estudar e voltar trazendo tecnologia para o país, exatamente como a Dilma faz hoje, com o Ciência sem Fronteiras. Procurou industrializar o país, importando máquinas. Criou a primeira fundição na América do Sul... E a Inglaterra sentiu que perdeu um pedaço do seu quintal e, pior, que se criara um mau exemplo que poderia se estender por todo o quintal.
                Armou o Brasil, o Uruguai e a Argentina e fizemos com os paraguaios o que os Estados Unidos fez com o Iraque, Vietnã, Coreia... Invadimos e destruímos tudo.
                Há descrições da guerra que dão conta de capinzais incendiados porque tinha crianças escondidas nele. Quem ficava morria queimado, quem saía, morria a tiros, exatamente como os portugueses e latifundiários fizeram com os índios e os americanos com os vietnamitas.
Os ingleses olharam o Paraguai como os americanos olham Cuba, só que os Paraguaios não tinham uma Rússia por trás.

P1 – Quem sabe sabe... Acabou que perdemos o foco do assunto, a violência atual.
FC – Não perdemos o foco. Voltei na história para mostrar que o brasileiro não tem nada de pacífico, bonzinho... A própria história recente mostra isso, quando na ditadura militar se torturou, matou sumariamente, baniu, exilou, até crianças de menos de dois anos.
                O brasileiro não é menos belicoso e agressivo que qualquer outro povo. Querem nos fazer crer que somos assim porque isso é útil para a classe dominante e para o capital.
                Você examina o sul e é só história de revoltas e revoluções, a começar pela Farroupilha. Vai no nordeste e é uma porradaria só, a começar que o maior ídolo lá é um Robin Hood à brasileira, Virgulino Lampião.
A história do Brasil, como todas as outras, no mundo, é a história da luta de classes.

P1 – Vou voltar para a pergunta inicial: como você justifica esses casos de justiça pelas próprias mãos, como no caso do adolescente amarrado no poste?
FC – Isso sempre aconteceu, sempre foi pratica comum nas periferias urbanas de todas as cidades brasileiras. Qual é o brasileiro que nunca viu um cadáver baleado, no chão, na via urbana? Ganhou visibilidade agora porque chegou em Copacabana, Ipanema, no Morumbi... Nos chamados bairros nobres.
                Os maus comportados da classe dominada foram sempre vítimas da classe dominante.

P1 – Você situa a violência urbana no âmbito da luta de classes?
FC – Claro. Tudo está subordinado à economia, rapaz, não há como fugir disso.

P1 – Você não vê isso como resultado da morosidade da justiça brasileira, da corrupção policial, da insatisfação generalizada do povo?
FC – Sim, mas vamos às origens disso e vou lhe dar um exemplo prático, real: tive um Vectra que era um escândalo: com aerofólio, rodas de magnésio, clássicas, ar condicionado, vidros fumê, bancos reclináveis, que se juntavam com os de trás, para virar cama, rebaixado, sempre lavado e polido... Uma joia.

P1 – Um motel sobre rodas...
FC – Mais ou menos (risos). Nessa época eu era locutor de programação romântica, com algum sucesso  (mais risos). Mas voltado ao assunto... Sabe quantas vezes fui parado numa blits policial? Nunca!  Nunca me pararam, para pedir documentos ou revistar o carro, nunca. Pelo contrário, os policiais me sorriam, faziam sinal para passar, quando não cumprimentavam e chamavam de doutor.
                Antes tive fusquinha e agora tenho um golzinho velho, em mau estado de conservação, porque o uso no sítio, em atividades rurais. Sabe quantas vezes fui parado em blits policiais? Só em todas, nunca fui liberado em nenhuma. Tem polícia estou eu parado, mostrando documentos.
                No Vectra eu poderia ter carregado armas, drogas, explosivos, contrabando... No golzinho eu tenho que mostrar o arroz, o feijão e a ração de galinha que estou levando para casa.
                E porque isso? O meu Vectra era o meu cartão de visitas: sou rico ou classe média alta, estou fora de suspeitas. O golzinho também é um cartão de visitas: sou pobre, sou suspeito!
                A polícia é a ponta visível do iceberg, a executora a serviço do legislativo, do executivo e do judiciário, instrumentos da classe dominante.

P1 – Você ainda não chegou no moleque preso no poste.
FC – Os justiceiros desse moleque são todos da classe média alta, os que podem tudo, inclusive todos eles com processos, até por estupro. Mas aquele moleque não estava estuprando pobres, não estava num bairro pobre, roubando pobres... Ele estava roubando os filhinhos de papai, então...

P1 – Mas a opinião pública, de acordo com as pesquisas, foi a favor.
FC – A opinião pública sabe dos antecedentes dos executores? A opinião pública tem conhecimento das coisas que estou afirmando aqui? A opinião pública é teleguiada pelos noticiários do rádio e da tevê, que são instrumentos da classe dominante, a serviço dos interesses da classe dominante. Só noticia o que lhes convém e da maneira como convém.

P1 – Chegou um e-mail, e o Washington te pergunta o seguinte: como romper com esse círculo vicioso: a economia condiciona o cidadão que, condicionado, mantém  a economia.
FC -  É difícil Washington, justamente pelo que você apontou: o condicionado não tem consciência de que age instintivamente, e não racionalmente, sobre os valores que lhe foram incutidos, condicionando-o.
                Vou dar um exemplo: nas minhas palestras, brinco com a plateia, justamente para mostrar que somos todos condicionados: digo que vou escrever uma palavra num papel e que a maioria vai descobrir o que escrevi.
                A seguir, escondido, escrevo a palavra azul, e me viro para a plateia: eu gostaria que vocês pensassem na cor de que mais gostam, a que traz mais paz, mais tranquilidade, a que gostam de usar nas roupas... As que vocês gostam mais de ver.
                Aí começo: quem gosta mais de preto levanta o dedo. Agora quem gosta mais de branco. De verde, amarelo... E chego ao azul.
                Aí a maioria levanta os dedos, sempre foi assim, nunca deu zebra, e mostro o papel escrito com a palavra azul, e explico: como afirmei, somos condicionados, inconscientemente, principalmente através dos olhos, daí a força da televisão, e que cor vemos  mais, qual é a área maior no nosso campo visual?
                E respondo: é o céu. Ao mesmo tempo que o céu nos dá uma ideia de amplidão, espaço, liberdade, é também uma espécie de redoma, que nos protege. Como o céu é azul, a maioria adivinhou. Vocês não escolheram gostar mais do azul, vocês estão condicionados pelo azul do céu, como eu. E volto ao tema central da palestra.

P1 – Muito bom... Tem um monte de telefonemas e e-mails. Vamos começar pelos que se repetem mais: como você justifica esse conservadorismo no povo? Tem outra: porque o povo é tão acomodado? Tudo nesse sentido. Responde.
FC – Você tem dois enfoques da realidade, a idealista e a materialista. Na idealista você acredita que as ideias movem o mundo, que os pensadores modificam o mundo, que os pensamentos humanos são o combustível que cria as coisas.
                No enfoque materialista a matéria condiciona os seres vivos, tudo o que somos é resultado das lutas pelas nossas satisfações pessoais. Inclusive as nossas ideias nascem daí.
                O idealista é fragmentado, já que pensa coisas diferentes a cada momento. Assim o Francisco pensador é um, o Francisco religioso é outro, o político, outro... De maneira que em mim possam existir contradições sem incômodos.
                O materialista sabe que tudo o que pensa é de um só, dele, vítima e algoz da realidade, o que impede contradições.
                Aí as contradições: o cara é espírita e prega que fora da caridade não há salvação, mas é contra o bolsa família, porque onera o estado e ele vai ter que pagar por isso.
                Quer dizer, entre os miseráveis morrerem de fome, no nordeste, no interior, ou ele ter que pagar impostos um pouco maiores, que morram todos. O sujeito é um no Centro Espírita e outro quando sai de lá.
                A mesma coisa os pentecostais, principalmente os professores: chegam no púlpito da igreja e explicam detalhadamente o Gênese, como Deus criou tudo... E no dia seguinte estão em salas de aulas explicando o Darwinismo, a origem das espécies, a evolução... Mostrando que não tem nada de divino, foram e são processos  estritamente materiais, e fazem-no sem o menor remorso.
Em que momento são hipócritas, quando negam a presença de Deus na criação, induzindo crianças à heresia, ou quando negam o que acreditam, para ganhar a salvação no reino dos hipócritas?
                Certamente nunca questionaram isso, nem questionarão, porque têm as personalidades fragmentadas, agem como se fossem mais de uma pessoa.
                O sujeito vai na igreja, ouve e prega o amor o próximo, o “amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”, e como o programa Mais Médicos vai dar votos ao partido adversário, ele quer que o programa acabe. Quer dizer, entre a vitória do partido adversário ou do meu, a custa de miséria sofrimento, indigência e morte, a vitória do meu.
                Aí ficam alternando postagens pretensamente cristãs e porradas no Mais Médicos, sem sequer desconfiarem da contradição.
                E assim é com professor de história pregando voto nulo, de geografia defendendo o neoliberalismo... E tudo evangélico.
                O orai e vigiai deles é o vigiai tudo, menos a si próprios (risos), a doutrina da fofoca.

P1 – Tem três e-mails e dois telefonemas perguntando a mesma coisa: se você não acha que estamos caminhando para o comunismo, que o Brasil vai ficar comunista?
FC – Quando vejo essas postagens na net vou imediatamente na página de quem postou, para analisar o perfil e ver se postou de má fé ou é um coxinha. Aí respondo (risos).
                A primeira coisa que temos que saber, para fazer uma afirmação dessa, é o que é o comunismo.
                Quem já leu Karl Marx, Engels, Lênin, os filósofos de Frankfurt...? Ninguém, mas todo mundo sabe exatamente o que é comunismo.
                O comunismo está para o Brasil como os passarinhos estão para os aquários, nada a ver, nenhuma possibilidade.
                Na cabeça do brasileiro o comunismo é uma abstração, uma ideia que contém tudo de ruim.
                O comunista é ateu e impede o exercício das religiões, sequestra crianças e leva para os quartéis, torturam e matam, estupram, promovem o desemprego e a exploração...
                Ora, a intolerância religiosa existe entre os próprios religiosos, quem não aceita o meu Deus, é desprezível, vai para o inferno. Quem matou e torturou foi a Ditadura Militar, com a desculpa de estar combatendo o comunismo, e o desemprego e a exploração aconteceram no governo FHC, de direita. Atribuem ao comunismo as próprias mazelas.
                O comunismo é uma doutrina filosófica e econômica e não uma forma de governo. Os idealistas querem mudar a forma de gerenciar o sistema, são os de direita. Os da esquerda, que é o meu caso, querem mudar o próprio sistema.
                Quanto ao comunismo... Nos moldes de Marx e seus discípulos, nunca existiu.
                O que tivemos, após a segunda guerra, foi dois modelos de sistemas: um, capitalista, que preconizou e preconiza a divinização do mercado, o mercado como senhor das relações sociais, que foi o vigente no chamado mundo ocidental. E, por oposição, um outro sistema, que centralizou no Estado as relações sociais, substituindo o mercado pelo Estado, e que foi erroneamente chamado de comunismo.
                O comunismo preconizado por Marx nunca existiu, e a humanidade não tem maturidade para experimentá-lo. Um sistema de todos iguais é possivelmente o sonho do próprio Jesus Cristo, e  as religiões que estão aí mostram que, nesse estágio de debilidade mental da humanidade, é impossível.
                Veio a queda do Muro de Berlin, a fragmentação da União Soviética, e o que chamávamos de comunismo sumiu, não existe mais, pelo menos como prática oficial...

P1 – Discordo. E Cuba, China, Coreia...?
FC – Cuba caminha aceleradamente para uma social democracia. Há mais de trezentas empresas brasileiras lá, o empréstimo do BNDES, para que construíssem o porto de Muriel, é para atender a essas empresas e outras, de outras nacionalidades. Cada vez mais o embargo imposto pelos Estados Unidos está sendo desrespeitado, principalmente pela comunidade europeia.
                A China criou um regime híbrido que vai ter que ter uma solução: enquanto nas áreas rurais predomina ainda as relações socialistas, com características bem maoístas ainda, nas cidades caminham rapidamente para uma sociedade de consumo, embora planejada.
                Os chineses estão importando Ferraris e BMWs, fabricando jatinhos executivo para o mercado interno, já a Coreia não é exemplo de nada.
                É uma ditadura dinástica, de uma família impondo miséria ao povo e que só é chamada de comunista porque o partido controlado pela família tem o nome de Partido Comunista.

P1 – Chegou um e-mail mal criado. Leio?
FC – Claro que lê (risos)

P1 – “O entrevistado tem uma mente brilhante, como sempre nos prende a atenção, mas hoje se perdeu. Quando ele começou a falar do estado ferramenta da classe dominante, me interessei, e acho que todo mundo se interessou, mas ele intelectualizou o discurso e saiu do assunto. Ordem na casa: fale mais disso porque o povo não que saber da China, que é saber da eme que está isso aqui.”
FC – Alguém sabe onde vende orelhas? Acabei de perder a minha (risos) Obrigadão pela mente brilhante, é porque troquei de shampoo... Como é o nome dele?

P1 – Dela, Marlene.
FC – Marlene, vamos examinar os poderes, um por um: o legislativo.
                Precisamos urgentemente de reformas, para substituir leis e procedimentos de meados, quando não do início do século passado, quando foram aprovados:  uma reforma fiscal e tributária, de maneira que o pobre pague menos e o rico pague mais impostos, que coíba tanta sonegação, que puna com rigor a corrupção, inclusive com a expropriação judicial dos bens do corrupto; uma reforma política e eleitoral, para que se crie a fidelidade partidária e iniba a compra de votos e o legislar em causa própria, transferindo o mandato para o partido, de maneira que o parlamentar não mude de partido de acordo com as suas conveniências, criando o voto distrital  misto, para corrigir esta distorção de poucos terem o mesmo peso de muitos; uma reforma na educação, para banir de vez essa mediocridade crônica na educação brasileira; uma reforma judiciária, de maneira que não só os pobres sejam condenados, diminuindo o tempo de tramitação dos processos, impedindo que a justiça seja usada politicamente, como aconteceu agora, no chamado processo do mensalão, descriminalizando bobagens que são consideradas crimes e criminalizando atitudes e ações que não são considerados crimes, como as calúnias nas redes sociais...
                E porque isso não acontece? Os deputados e senadores que deveriam votar isso são justamente os beneficiários das distorções existentes, não mudarão nunca, jamais votarão, porque isso é o fim deles.
                Na medida em que o legislativo age assim, perpetua-se, perpetuando os privilégios da classe dominante, deixando a situação como está porque está bom pra eles.
                Agora o Judiciário. O judiciário brasileiro trabalha? Sim, trabalha. Em termos absolutos temos  a quarta população carcerária do mundo, e a sexta, em termos relativos, mas se formos nas cadeias, 99%  dos presos são pobres das periferias urbanas, de pele negra e origem nordestina.
                Você não vê empresário preso, político preso, liderança religiosa presa, juiz preso... É só pobre.
                Há um corporativismo muito grande. Juízes sabem que há colegas, também juízes, que vendem sentenças, que levam comissão sobre sentenças, mas não denunciam.
                Os delegados, comandantes de polícia e corregedorias sabem que quem morre com um tiro na nuca, com a arma encostada na pele, não morreu em troca de tiros com a polícia. Sabe que alguém morto com vinte tiros na cara não morreu em troca de tiros com a polícia. São execuções, mas prevalece o corporativismo e vai tudo para o autos de resistência, para a morte em troca de tiros com a polícia.

P1 – O telefone não para e a caixa de e-mails lotou. Tem pergunta para dez programas.
FC – Quero comissão dos anunciantes e patrocinadores. Sou socialista mas vivo num sistema neoliberal (risos)

P1 – Tem um punhado de telefonemas e e-mails se referindo a criminalização e descriminalização. Detalha isso pra gente.
FC – Primeiro a proporcionalidade de penas, que não acontece. Você vê, esse piloto do helicóptero tucano, que foi flagrado com meia tonelada de cocaína; vai pegar de quinze a vinte anos de cadeia, se tanto. Aí um moleque pobre, da favela, pega a sua bicicletinha e vai entregar dez gramas de cocaína, a troco de uma gorjeta, para levar pão para casa; é flagrado e fica os mesmos quinze a vinte anos na cadeia.
                Os policiais ou milicianos matam cinco e ao invés de responderem a cinco homicídios, independentemente, respondem por crime continuado, o que reduz enormemente a pena.
Isso tem que ser revisto.
Quanto à descriminalização... Você não sabe a quantidade de mulheres presas porque foram flagradas levando maconha ou cocaína, coisa de graminhas, para os seus companheiros nas cadeias, as que os policiais chamam de traficantes do amor.
Pô, essas mulheres não são traficantes. Se estão fazendo isso por amor, quer castigo pior do que impedi-las de visitar os companheiros presos? Mas não. Lá vai o Estado sustentar as pobres por dez, quinze anos, na cadeia.
O mesmo com o moleque na bicicletinha, preso com dez gramas de cocaína. É na primeira audiência o juiz marcar uma segunda audiência, para trinta dias depois, e avisar: volte com uma declaração de matrícula em uma escola e a carteira profissional assinada. Se fraudar o senhor será preso, se não vier, será considerado foragido da justiça.
Na segunda audiência a sentença: o senhor foi condenado a três anos, mas estou lhe dando a condicional. O senhor terá que comparecer aqui de três em três meses, com a cópia do boletim escolar e das folhas de ponto do seu trabalho. Se não vier, foragido. Se não tiver o aproveitamento que espero, cadeia. E se cometer outro delito, as penas serão cumulativas e em regime fechado. Boa sorte.
Isso é ressocializar. Agora, colocar o moleque entre quatro paredes e dar a ele uma bola de basquete, esperando que ele saia dali um jogador de basquete profissional é brabo. Como ressocializar fora da sociedade? Isso é uma utopia.

P1 – Reforma educacional, que é a sua praia.
FC – Sim, esta é a minha praia. Mais de quarenta anos nela. Há duas coisas a serem levadas em consideração e modificadas: a própria educação, o que pretendemos fazer com ela, com que metodologias, e para chegar onde. A formação do professor, daqui  para diante, e a reavaliação, com reciclagem, dos que estão no mercado.

P1 – Detalha os dois.
FC – Primeiro a reforma da própria educação. O oprimido que inveja o opressor vai se transformar também em opressor. A educação brasileira não dá uma visão crítica aos alunos, capaz de fazê-los analisar a realidade e ter ânsias de mudança, de contribuir com a mudança.
                A educação brasileira, como está, não pretende formar cidadãos, mas produzir consumidores, com o sistema garantindo a sua própria continuidade nas escolas
                É se formar, pegar o diplominha, arranjar um bom emprego e se dividir: shopping,  igreja e Zoo, pra dar pipoca aos macacos, contestando como chato, impertinente, metido, quem não é assim, escapou da mediocridade.
                A segunda coisa é a necessidade da educação integral, em tempo e instrução.
                Em tempo porque, seja por necessidade financeira ou realização profissional, a mulherada foi pra rua trabalhar, e as crianças ficam nas ruas, com a empregada, com vó ou sozinhas.
                Na rua estão em escola paralela, aprendendo o errado. Com a empregada, sem vínculos afetivos. Com vó, para não conhecer limites, porque vó é mãe com açúcar, e sozinha, com responsabilidades que não deveria ter, sacrificando uma infância que irá buscar compensações mais tarde, para suprir essa ausência de tempo de ociosidade necessária e de sonhos.
                Então a escola tem que ser o dia todo, com acompanhamento de profissionais competentes.
                A outra questão é a da educação integral. Os meus primeiros poemas eu declamei em sala de aula, valendo nota ou para alimentar a minha vaidade. Os meus primeiros desenhos foram afixados, junto com os dos colegas, nas paredes da escola, e se escrevo e faço artes plásticas hoje, o negócio começou lá na minha infância.
                Tenho um irmão que é músico profissional, dos bons. Começou com sete anos, na bandinha da escola.
                Tinha o grêmio, onde se aprendia a fazer política, e as festas cívicas ou folclóricas eram oportunidades de conhecimento, de desenvolvimento de brasilidade, patriotismo, consciência social, e não oportunidade para a garotada se divertir e a escola fazer um reforço de caixa, mais nada.
                Esse despreparo é que garante o que está aí.

P1 – Os profissionais da educação...
FC - O negócio está se deteriorando cada vez mais, e não só com os professores.
                Excetuando as matérias técnicas, como engenharia, arquitetura, física, química... Onde o nível não cai porque você não tem como piorar a lógica ou mudar conceitos científicos, nas demais está uma tragédia.

P1 – A que você atribui isso?
FC – Ao próprio modelo econômico.
                Na década que antecedeu a ditadura militar houve um surto desenvolvimentista muito grande, semelhante ao de hoje, por mais que neguem, que se deu na economia, com a construção de Brasília, a chegada das montadoras de automóveis... E que se refletiu no intelecto, na cultura: bossa nova, cinema novo, o teatro com o Nelson Rodrigues e o Plínio Marcos, o movimento concreto e neoconcreto, que começou nos inícios dos cinquenta, mas que explodiu já em seus finais... E isso levou a uma demanda por vagas nas universidades muito grande.
                O que a ditadura fez? Ao invés de multiplicar o número de universidades públicas, secou as torneiras do investimento público em educação e abriu as pernas para o investimento particular, nos moldes norte americanos, que os macaquinhos imitavam, e a educação deixou de ser investimento em cultura, conhecimento, para ser um investimento comercial como outro qualquer, fabricando diplomados como as montadoras fabricam carros.
                A gente reclama que tem uma igreja em cada esquina, vendendo milagres, mas também tem uma faculdade em cada bairro, vendendo diplomados. Pagou o dízimo em dia recebe a graça, pagou o carnê em dia, recebe o diploma.
                Um bom exemplo disso, e criminoso, é o das faculdades de medicina. O sujeito mora na Barra da Tijuca, Ipanema, e faz faculdade no interior do Estado, a centenas de quilômetros. Fica na praia de domingo a quinta feira, na sexta viaja, assina as presenças nas faculdades, copia o que foi dado, numa impressora, faz os testes e provas em segunda chamada, e volta pro Rio.
                Logo se forma e é mais um cometendo erros médicos e matando, com o corporativismo dos colegas o isentando, e vem pra net tocar a porrada nos médicos cubanos, internacionalmente reconhecidos como entre os melhores médicos do mundo.
                Pra você ver a distorção... O Brasil não tem médicos sanitaristas nem epidemiologistas e no entanto é o segundo país do mundo em número de cirurgiões plásticos. E porque isso? Porque quando o pai do doutor coxinha pagou a faculdade do baby o fez como investimento, então o doutor escolheu uma especialidade onde tirar uma ruga de velhota rica dá o mesmo que o salário de um sanitarista o ano inteiro.
                O compromisso dele não é com o paciente, menos com o próximo, a sociedade ou a profissão. É com o dinheiro, o que justifica tudo.
                Acredito que se esse revalida, exame feito para o reconhecimento de diplomas de médicos estrangeiros, para exercerem a profissão no Brasil, fosse feito com todos os médicos Brasileiros, metade não passaria.
                Na prova da Ordem dos Advogados do Brasil, em todos os anos, setenta por cento não passam, e acredito que se fosse aplicado o revalida em nossos professores, em todos, pelo menos dois terços não passariam.
                Nossos professores, em sua grande maioria, só sabem o que aprenderam na faculdade. O professor de literatura não lê os contemporâneos, o de história não se atualiza, é um repetidor de datas e nomes, o de geografia é dissertador de números e decifrador de mapas.
                Você vê, política, literalmente quer dizer a ética da cidade, o que quer dizer mais ou menos administração das cidades. O ser humano é um animal político, como foi dito, a única maneira de se posicionar diante da realidade é assumindo uma posição política, e me aparece uma postagem dizendo que todo político é ladrão. Vou ver quem é o coxinha desmiolado e é um professor de história.
                Justamente de história, o cara que dá aula da evolução política da humanidade. E me revolto.
                Como é que pode pensar assim um técnico em política, ou que deveria ser? E quando diz isso pros filhos dos outros, no fundo está dizendo pra procurar um tutor político, um ditador, qualquer coisa assim, ou acredita no que posta, quando diz que Deus está no controle, só que Ele não virá candidato.
                Sem contar que quando vejo terremotos, maremotos, avalanches, tsunamis, quedas de aviões, guerras... Acreditar que Deus está no controle é acreditar num Deus mau.
                Se não estiver no controle ou é um Deus negligente ou não é onipotente, há um poder paralelo.
                Mas como falei antes, o idealista não tem compromisso com a coerência.

P1 – E isso desemboca no político.
FC – Claro, na perpetuação da divisão em classes.
                É muito difícil entrar para uma universidade pública, a relação concorrentes vagas é enorme, então quem passa é o que fez o melhor ensino fundamental e médio, fez um bom cursinho, comprou livros e apostilas, pagou aulas particulares... E tudo isso é muito caro, só está ao alcance dos filhos da classe dominante, que ficam com quase todas as vagas.
                Como a formação nessas universidades públicas é infinitamente superior a das faculdades particulares, saem bons profissionais, valorizados no mercado de trabalho, e que vão trabalhar em escolas de elite, nos bairros nobres.
                Como têm conteúdo, preparam alunos iguais a eles, bons, que reproduzirão as ideias da classe dominante, e com conteúdo teórico, que os justifica, qualificando-os para continuarem no comando da sociedade.
                Enquanto isso as universidades coxinhas fabricam professores coxinhas que fabricarão coxinhas, repetindo o discurso da classe dominante, elogiando os candidatos deles ou pedindo golpe militar, para garantir o que eles acham que é deles.

P1 – Francisco, o nosso tempo está terminando, mas tenho duas perguntas, no meio dessas dezenas, o que tem de e-mails e recados dos telefones... Você podia agendar mais um programa, continuação desse mesmo assunto, política e violência, feito? A gente guarda esse material todo.
FC – Feito.

P1 – Na próxima quarta?
FC – Fechado, estou aqui.
P1 -  As perguntas: a primeira: há saída?
FC – Claro, e já está sendo dada. A solução é colocar o povo na escola, o filho do trabalhador na escola, mas não em qualquer escola e o governo federal vem cuidando disso.
                Antes de Lula e Dilma, a vinte anos não se inaugurava uma universidade federal. FHC, o intelectual, não criou nenhuma, Lula e Dilma já criaram dezoito universidades federais, e não foi em bairro rico de cidade grande.
                No dia da posse do Lula, no primeiro mandato, havia cento e quarenta escolas técnicas federais no Brasil. Quer dizer, desde a proclamação da república até o dia da posse do Lula, todos os governos juntos construíram cento e quarenta escolas técnicas. Você sabe quantas Lula e Dilma já construíram? Duzentos e noventa, mais que o dobro. Lula e Dilma triplicaram o número de escolas técnicas de ensino médio no Brasil.
                O orçamento do Fernando Henrique, para a educação, em seu último ano de governo, foi de dezessete bilhões. O de Dilma, esse ano, é de mais de noventa bilhões, mais de cinco vezes mais.
                Repara que a pouco falei que filho de pobre não podia ir para as universidades públicas, não tinha como se preparar, agora vai na política de cotas, seja porque é negro, seja porque é pobre.
                A dez anos atrás só 1,25% dos universitários eram negros, hoje já são quase 15%.
                Antigamente filho de pobre ia para a faculdade particular só para fazer curso baratos, os chamados cursos cuspe e giz, porque não exige equipamentos: direito, pedagogia, história, geografia...
Os outros cursos têm mensalidades de até cinco mil reais, mas Lula criou o Prouni, que dá bolsa integral nas universidades particulares, e o neguinho da favela, filho de peão, vai fazer medicina e engenharia.
Só esse ano o Prouni vai beneficiar mais de um milhão de filhos de pobres, que virarão médicos e engenheiros, sonhos impossíveis, antigamente.         
         Você sabe o que é o Pronatec? O mesmo esquema do Prouni, só que para alunos do ensino médio profissionalizante.
         Serão oito milhões e setecentos mil beneficiários esse ano. É o filho do pobre se profissionalizando em eletrônica, química, enfermagem... Em escolas particulares e sem pagar nada.
         Vocês conhecem o programa Ciências sem Fronteira?
         A galera que está se formando nas universidades quer continuar os estudos no exterior, e o governo banca.
         É gente saindo daqui pra se especializar na Europa, nos Estados Unidos, nos principais centros de pesquisas do mundo, e voltando cientistas, pra trabalhar aqui, dar aulas aqui, desenvolver pesquisas aqui.
         Só esse ano serão cinquenta e três mil. Farão as malas e partirão.
         Antigamente só filho de rico se especializava no exterior, agora o governo banca pela competência, e não pelo berço, pelas origens.

P1 – O MC Robinho chegou e abriu mão de parte do programa dele, enquanto a gente achar necessário.
FC – Obrigadão, Robinho, chega aí.

P1 (MC Robinho) - Parabéns pelo seu trabalho. Eu vinha escutando o senhor...
FC - Pronto, virou culto. Que senhor, Robinho, somos colegas de trabalho, rapaz...

P1 (MC Robinho) - Desculpa, eu não consigo chamar o senhor de você... A idade e o seu conhecimento...
P1 -  Muito bem, então o Robinho tem direito a fazer uma pergunta.
P1 (MC Robinho) – Tá, mas antes eu queria dizer que o pessoal lá em casa está lhe ouvindo e no caminho, eu vim a pé, tá todo mundo ligadinho no senhor
(risada geral)
FC – Não entendi, qual foi a sacanagem dessa vez?
P1 – A Lena disse que não sabia se o Robinho ia pedir um autógrafo um ou beijinho (mais risadas)
FC – Liga não, cara, a Lena quer acabar com a minha viuvez na marra, isso é ciúme. Que pergunta você quer fazer?
P1 (MC Robinho) – Qual a sua expectativa para a Copa do Mundo?
FC – Antes de eu lhe responder, só um comentariozinho, a respeito do que você falou, de que está todo mundo ligado: acredito. Tive um programa matinal muito semelhante a esse e tinha uma audiência enorme.
         Isso mostra que o povo não é imbecil, como a mídia tenta passar, justificando-se, quando dizemos que a programação da tevê  é imbecil. Esse argumento de que a tevê dá o que o povo quer é mentira. A tevê é que imbeciliza o povo.
         A minha expectativa é a melhor possível. Teremos aqui o que a Dilma chama de Copa das Copas porque, pela primeira vez, todos os países ex campeões estarão presentes: Itália, Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Argentina, Uruguai e Brasil. Faltou algum? Acho que não.
         Além disso teremos os três melhores jogadores em atividade, no mundo: Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar, disputando a artilharia.
         Vamos mostrar que o Brasil é mais que samba, bunda de mulata e café. Um povo que salta de décima sexta economia para sexta economia em dez anos é um povo esforçado, organizado, trabalhador.
         Vão descobrir que o país é lindo, pelas belezas naturais e pela intervenção humana, pela nossa arquitetura, que não somos mais uma republiqueta de bananeiros, com onças e índios passeando nas calçadas de Copacabana. (risos)

P1 (MC Robinho) – E a segurança?
FC – Será total. Primeiro porque o brasileiro é fanático por futebol. Quando a bola começar a rolar uma boa parte dos baderneiros vai virar torcedor, e segundo porque quem vai fazer a segurança vai ser as Forças Armadas. Quero ver mascaradinho ter peito de jogar rojão e coquetel molotov em cima do exército. Tranquilidade pura.

P1 – Uma pergunta aqui, feita por umas três ou quatro pessoas, que gostariam que você falasse do caso daquela moça que foi arrastada pela viatura policial.
FC – Duas coisas que se evidenciam: primeiro o despreparo e o desprezo pela vida, do policial carioca: uma senhora está no portão, tomando café, com um copo na mão, para uma viatura policial e os policiais já saem atirando na direção dela. Atingem-na e, percebendo o erro, resolvem socorrê-la, já que ainda está viva, com um tiro no pescoço e outro nas costas.
         Ao invés de a colocarem no banco traseiro da viatura, um policial a pega pelo braço, outro pelas pernas e jogam no porta malas do carro, como se fosse uma carga. O carro sai em desabalada carreira, a porta do porta malas se abre e a dona cai. Os caras param o carro e repetem a operação. Vão embora. Na estrada Intendente Magalhães, que é movimentadíssima, a porta se abre e a dona cai novamente, ficando presa pelo braço, no para choques.
         Apesar dos gritos dos populares, a viatura a arrastou por centenas de metros, como se de propósito, e só depois parou, para colocá-la novamente no porta malas.
         Ela chegou morta, claro, sem pele, esfolada pelo atrito com o asfalto.
         Para piorar, a perícia constatou que a fechadura do porta malas não está com defeito, deixaram aberta de propósito, o que cheira a queima de arquivo: mataram-na para que ela não identificasse quem atirou nela.
         A segunda coisa que eu queria falar é sobre essa nossa condescendência com a polícia, essa nossa acomodação diante do poder de vida e morte da polícia: vocês estão lembrados daquele caso do garotinho, em Bento Ribeiro, João, parece-me, o nome dele. Foi semelhante: três ladrões de carros tomaram o carro da dona, mandaram que ela e o garotinho descessem e ele ficou preso na porta, sendo arrastado e vindo a morrer.
         Isso ficou na mídia por mais de uma semana. Pipocaram postagens na net, uma comoção geral. Como um dos ladrões era menor de idade, vieram logo os que pedem redução de maioridade penal.
         Agora, uma chefe de família, funcionária pública ,mãe de família, responsável por oito crianças, sem nunca ter tido passagem na polícia... O assunto morreu em dois dias, porque agora não foram ladrões de carro, foi a polícia.
         Sentiram como nos acostumamos à violência policial?

P1 – Bom, vamos terminar com uma pergunta que não poderia faltar: a marcha de sábado.
FC – Vai ser um fiasco. O povo não está disposto a aventuras.
         Vamos  examinar direitinho quem é o líder dessa palhaçada: um sujeito que tem uma página chamada nazistas aloprados, um grupo, o OCC, Organização Contra a Corrupção, que é o responsável pelas postagens mais caluniosas contra o governo federal, assumidamente homofóbico e racista, fazendo piadas com pobres e nordestinos. Fez um vídeo num helicóptero, que acho ser militar, por causa da metralhadora que ele empunhava e fingia atirar, dando gritos histéricos, psicóticos, e sendo gago diz falar melhor que o Lula.
         O vídeo está em meu mural, no Facebook, quem quiser ver é só ir lá, e aí está toda a diferença.  
         A marcha de junho passado, aquelas passeatas, eram de cunho conservador, mas anarquistas pró Estados Unidos. Isso não ficou muito claro no início, tanto que partidos de esquerda quiseram aderir, eu mesmo fui a duas, mas logo ficou claro que era coisa de direita, o povo voltou para casa e o movimento acabou.
         Naquelas passeatas de junho queriam transformar o Brasil numa Venezuela, agora é pior, é de cunho nazista, querem transformar o Brasil numa Ucrânia, via golpe militar e há oficiais apoiando isso, só que o povo não vai, está escaldado, maduro.

P1 – Vamos terminar porque o Robinho tem que fazer o programa dele. Então está combinado, na próxima quarta o papo continua, o mesmo assunto, política e violência, tem é pergunta aí. Já que estamos falando da marcha, termina falando desse papo de golpe.
FC – Para entendermos o que está acontecendo hoje, vamos nos reportar a 64, por ocasião do golpe militar.
         Como a maioria dos ouvintes não era nem nascida, eu vou contar: já falei hoje mesmo que o Brasil passou por um período muito desenvolvimentista, no governo de Juscelino, que era uma continuação do nacionalismo popular de Getúlio, do então chamado trabalhismo.
         Getúlio suicidou-se, Dutra o sucedeu, dando sequência, veio Juscelino, depois um curto intervalo, do maluco do Jânio, que renunciou, em tentativa de golpe que não colou, e veio o Jango, que fora ministro de Getúlio.
         Houve um aumento do poder aquisitivo do povo muito grande, com sucessivos aumentos do salário mínimo, a industrialização iniciada por Juscelino, continuou, e Jango fez a proposta das então chamadas Reformas de Base, que são as mesmas que pedimos hoje, e que também falei, só que naquela época acrescidas de mais algumas: a reforma agrária, que depois a ditadura muito timidamente iniciou; da educação, que  a ditadura também implementou, com a criação do MOBRAL, do artigo 99, que hoje é supletivo, a obrigatoriedade do ensino de Moral e Cívica... A nacionalização das refinarias de petróleo... E por aí vai.
         Mas Jango, além de brigar com a direita brasileira, tinha um inimigo muito mais poderoso, o capital multinacional, os Estados Unidos, do qual o Brasil se afastava cada vez mais.
         Terminado o mandato de Jango eram favas contadas a eleição de Juscelino novamente, para dar continuidade à política popular e desenvolvimentista, iniciada por Getúlio.
         A direita concluiu que pelo voto, pela via democrática, não levava mais, e concluiu que só um golpe militar, com o apoio da burguesia e dos Estados Unidos, reverteria a situação.
Então agiram em cinco frentes: um: minimizar e esconder do povo as realizações do governo Jango; dois: desmoralizar as lideranças ligadas a Jango; três: invocar o fantasma do risco de ditadura comunista; quatro: convencer o povo que a corrupção era desbragada e fora de controle, e; cinco: criar um clima de baderna, enfraquecendo o poder central, internamente, e passando uma imagem de insatisfação e anarquia para a opinião pública internacional.
         Agora vamos analisar uma por uma e comparar com o que está rolando agora: um: esconder e minimizar as realizações: olha quantos projetos dos governos Lula e Dilma citei... Só referente a educação, a quantidade de escolas técnicas e universidades construídas... Você ouve isso na Globo, lê nas revistas e jornais? O Brasil é um dos países com maior taxa de crescimento do mundo, embora ainda pequena , há uma crise na Europa e nos Estado Unidos. Temos uma das menores taxas de desemprego do mundo. Este ano bateremos o Record histórico da nossa safra de grãos: será a maior de todos os tempos. Vamos realizar a Copa, as Olimpíadas, em dez nos saltamos de décima sexta para sexta economia do mundo... Ontem mesmo o Krugman, que é prêmio Nobel de Economia, disse que é muito difícil uma crise econômica no Brasil, pela forma como vem sendo administrado... Só cinco países têm reservas internacionais acima de um por cento do PIB, um deles é o Brasil. E o que vemos e ouvimos... Crise, crise, crise...
         Dois, desmoralizar as lideranças. Vou dizer o que aconteceu em sessenta e quatro: arrumaram amantes para todos os membros do governo: Juscelino era amante de uma garota propaganda da época, a Neide Aparecida, João Goulart era corno, já que a mulher o traía com o jardineiro do palácio; Jango era filho ilegítimo de Getúlio... E por aí ia.
         Hoje: Lula é analfabeto, Dilma, Dirceu e Genoíno foram terroristas, mataram muita gente, Lula tem uma amante, Dilma é sapatão, são todos ateus... E por aí vai.
         Três: invocar  o fantasma do risco comunista: João Goulart era um rico fazendeiro, católico praticante, avesso ao comunismo; Brizola era ligado à  social democracia alemã, inimiga do comunismo. Apesar de empreendedor, tocador de obras, Juscelino era coxinha, homem de pouca teoria política, não entendia o que era o comunismo e também tinha medo.
         O golpe aconteceu sem nenhuma reação porque não havia armas, não havia organização para resistência, e o partido comunista era inexpressivo em número de militantes. O perigo comunista era uma falácia, uma mentira criada para assustar o povo, que acreditou.
         Quatro: convencer que a corrupção era desbragada e fora de controle. O que se dizia na época era que Brizola estava comprando todo o Rio Grande do Sul, fazenda atrás de fazenda, que Jango multiplicava os seus rebanhos, que o dentista da filha de Juscelino era em Nova Iorque, e o ginecologista da Dona Sara, mulher de Juscelino, em Paris.
         A primeira providência da ditadura, já que não tinha provas de risco de revolução comunista, foi vasculhar a vida dessas pessoas detalhadamente, em busca de provas que eram corruptas e não encontraram nada, absolutamente nada, tanto que depois de consolidado o golpe, nunca mais houve essa acusação.
         Agora a respeitada revista Forbes publica que Lula é uma das cinco pessoas mais influentes no mundo, e a direita traduz que é um dos cinco mais ricos do mundo; postam fotos de uma universidade mineira (Esalq), dizendo que é propriedade do Lula; o filho do Lula, Fábio Ignácio, vira proprietário do Frigorífico Friboi; compra um jatinho executivo de cinquenta milhões de dólares, que é de um empresário brasileiro, Eike Batista; a filha da Dilma compra dez empresas, criam o mensalão e transformam caixa dois em corrupção... 
O descalabro chega a tanto que fazem uma montagem da capa da revista Veja, onde as manchetes são: Lula acusado de ter um patrimônio de quinhentos bilhões.
         São tão ridículos que não têm noção de dinheiro... Meio trilhão, um quarto do PIB brasileiro, fortuna que nem Bill Gates, o homem mais rico do mundo, tem.
         Nessa mesma capa aparece um resultado estatístico dando conta que Joaquim Barbosa tem oitenta por cento das intenções de votos dos brasileiros.
         Como a data da revista é de 2002, o brasileiro nem sabia da existência de um certo Joaquim Barbosa, que costumava dar surras na mulher, e que foi transformado em ministro pelo próprio Lula.
         Nesse ano não havia nada a ver com mensalão, que não existia, e Lula estava começando o primeiro mandato. São ridículos.
         Quer ver outra barbaridade? Os caluniadores ficam afirmando que Lula se aposentou por invalidez, só porque ele perdeu o dedo. O cara perdeu o dedo em mil novecentos e cinquenta e nove, com quatorze anos de idade, já na linha de produção de uma fábrica, para ajudar a mãe a criar os irmãos dele.
         Ele só se aposentou quando saiu da presidência da república, que é uma aposentadoria automática, além de já ter quase setenta anos de idade.
         Já do Fernando Henrique, que se aposentou com trinta e seis anos, não dizem nada.

P1 – Faltou a quinta.
FC – Fico tão indignado que já nem lembro mais.

P1 – A baderna.
FC – Ah, é. Mas antes uma coisinha: você sabia que o Estado brasileiro gasta mais de cinco bilhões, anualmente, para pagar pensões vitalícias a filhas de militares e juízes?
         Tem velhota neta de ex combatente da Guerra do Paraguai recebendo pensão, depois vai pra net dar porrada no bolsa família, como essa Maitê Proença, que ganha doze mil reais por mês, de pensão, e dá porrada no Bolsa família, cento e trinta reais para cada família de miseráveis.
         São amasiadas a cento e cinquenta anos, têm trinta filhos com o mesmo homem, não se casam ou regularizam a união estável, pra não perderem a teta governamental, ludibriando o Estado, e depois vêm fazer postagens contra a corrupção, as corruptas.
         Agora sim, a baderna. Ufa, que estou sem fôlego! 
         Em sessenta e quatro havia um sujeito, cabo dos Fuzileiros Navais, chamado Cabo Anselmo, ele ainda é vivo, fez plástica no rosto e vive anonimamente, no nordeste, que se transformou em homem de confiança da esquerda e do governo federal, de Jango, arregimentando gente para os comícios, se insurgindo, nas forças armadas, peitando os oficiais  golpistas, quebrando a hierarquia e a disciplina entre os militares, com um enorme espaço na mídia... Chegou a ser considerado o Che Guevara brasileiro.
         Pois bem: veio a ditadura e descobriu-se que ele era um agente da Cia, e que o seu trabalho, aparentemente revolucionário, era desestabilizar o governo federal, pela baderna, e assustar o povo, passando a sensação que o governo tinha perdido o controle da situação.
         O alto oficialato sabia disso e lhe dava salvo conduto para agir, facilitando o golpe.
         Para encurtar: os Black Blocs e Anonymous, os mascaradinhos de hoje, são o Cabo Anselmo de ontem, com o mesmo propósito e as mesmas intenções.

P1 – Pra terminar, Francisco: sabemos que você odeia perguntas pessoais, mas você é desses que deixam a gente curioso: em diversos momentos os seus olhos se encheram d’água, em outros você foi poético, pra logo depois babar de ódio. Nós, que somos teus seguidores na net, percebemos a quantidade de textos que você posta por dia, e sem nada a ver um com o outro; você posta um poema erótico, depois uma porrada política, volta lírico, daqui a pouco está irônico, debochado... Na vida real você é a mesma coisa, um adversário temível para os seus adversários, e um colo de mãe, para os seus amigos, sem contar o seu lado caritativo, que você não admite discutir... Como é que você explica essa versatilidade?
FC – (longo intervalo, pensativo) Acho que é a passionalidade, eu vivo o que penso, só digo ou digito o que penso, e o meu compromisso é com o que acredito ser verdade... Acho que é por aí. Isso me permitiu chegar até aqui exatamente como eu quis chegar.

P1 – Sobre isso você não fala, eu sei. E o seu humor, a sua ironia, que são refinados como o de poucos. Aquela resposta que você deu ontem, no comentário, sobre a multiplicação de pães e peixes, achei sensacional.
(MC Robinho) – Conta aí.
FC – Tinha um monte de coxinhas evangélicos, fundamentalistas, discutindo uma postagem que enchia a bola do neoliberalismo, e entrei: vocês cultuam aquele cara que multiplicou pães e peixes e dividiu com os pobres?
         Um, mais ousado, me respondeu: sim, como os empresários multiplicam riquezas.
         Voltei no comentário: nessa parte ainda não cheguei. A parte onde Jesus se tornou dono de uma rede de padarias e depois se transformou em exportador de peixes para a Europa, ainda não li.
         Ele apagou o comentário dele. (risos)

P1 – Mais alguma coisa a acrescentar?
FC – Antes um detalhe: como o cara apagou o comentário dele, o meu ficou sem sentido, aí entrou uma coxinha de Jesus: seu mentiroso nojento, na palavra de Deus não tem nada de que Jesus tinha padaria e vendia peixes, maldito! Cheia de amor cristão. (muitas risadas)

P1 – E aí?
FC – teclei a tecla que mais uso: ká ká ká...
         Bom, mais uma vez obrigadão a vocês, ao Robinho, por nos ter cedido quase meia hora, e a você em casa, pela paciência e a  atenção.
         Confia porque o nosso país já esteve muito pior, está caminhando e caminhando bem, no rumo certo. É confiar e colaborar, com cada um de nós fazendo a sua parte. Um beijão em cada um.

Entrevistadores: Narjara, Lena, Sérgio  Lopes e MC Robinho. 
FIM