sábado, 25 de maio de 2013

MÉDICO NÃO, POR FAVOR!

Uma das críticas mais severas e continuadas que recebo, principalmente dos parentes, é a minha aversão a médicos e a exames.
                             Sempre que fui ao médico alguém me levou, diante da impossibilidade de eu ir sozinho, bem mauzinho, salvo quando por exigência de algum edital de concurso ou de algum patrão.
                             Essa posição, aparentemente absurda, se apóia em duas circunstâncias: o padecimento na infância e na adolescência, por conta de uma cruel enxaqueca só diagnosticada depois de quase duas décadas de palpites médicos e terapias inúteis: trataram do meu fígado sadio, do meu baço em perfeitas condições, dos meus intestinos com funcionamento normal...
                             Mostrei os olhos bem eficientes a um bando interminável de oftalmologistas (desenho, pinto e escrevo... Exigindo dos olhos o dia todo, todo dia, sem nenhuma limitação visual, salvo a presbiopia, por causa da idade, claro). 
                             Até a pobre da minha coluna pagou o pato pelas crônicas e continuadas dores de cabeça, acompanhada de fotofobia e hipersensibilidade auditiva e olfativa, exigindo analgésicos cada vez mais poderosos.
                             Num belo dia, naturalmente como a sucessão dos dias e das noites, a constatação do óbvio: se na minha família pelo menos setenta por cento dos membros têm ou tiveram enxaqueca, eu só podia ser mais um dos agraciados. Eureka!
                             E passei a me cuidar sozinho, tomando medidas preventivas, para evitar o surto, tratando de identificar os sintomas denunciadores de que ela estava chegando, e os agentes desencadeadores: cheiros (goiaba madura, jenipapo, solventes derivados do petróleo – principalmente gasolina), sabores (frutas cítricas), alimentação farta após longo período de jejum (se não almoço também não janto, limitando-me a um lanche leve) e principalmente as emoções fortes, tanto boas quanto más.
                             E as dores, quase que diárias, passaram a semanais, quinzenais, mensais e hoje acredito que se foram para sempre, por conta de um remédio controlado me obrigando a corromper, com palavras ou propinas, os balconistas das farmácias.
                             Dos meus cinco filhos, quatro têm enxaqueca, e o caçulinha, com quase quatro anos, já reclama de “dodói”, apontando a cabeça, seguindo-se a ânsia de vômitos, o que é bem sintomático.
                             Raramente me gripo, passando anos sem nem mesmo me resfriar, mas quando acontece é arrasador, não raro culminando numa pneumonia.
                             Em uma dessas ocasiões, com febre alta, dispnéia (o maldito tabagismo), tosse, dois filhos me levaram ao médico.
                             Com base numa radiografia o doutor chamou os filhos: que tratassem bem do papai, que um dos pulmões estava totalmente inútil, todo tomado pelo enfisema, e o outro já havia perdido setenta por cento da funcionalidade.
                             Papai estava com os dias contados, inclusive estabelecendo prazo: três meses.
                             Devidamente apertados, os filhos me contaram.
                             Seguiu-se uma forte depressão, uma tristeza profunda, mas sem medo, até que a ficha caiu: um pulmão inútil e outro só com trinta por cento da sua capacidade e eu fora da UTI, sem receber oxigênio, andando para cima e para baixo, fumando?
                             Procurei outro médico que, após várias radiografias, me aconselhou: “por que o senhor não deixa de fumar enquanto ainda não tem seqüelas?”
                             E tratou da minha pneumonia.
                             Isso a dez anos atrás.
                             A casca de alpiste que virou úlcera no olho do meu filho. A minha enxaqueca, sintoma de todas as doenças possíveis e impossíveis, exceto enxaqueca. Enfisema pulmonar determinando a proximidade do velório... Basta?
                             Bela manhã de uma quarta-feira de sol. Titia, irmã de mamãe, se despede da filha e sorridente e faceira, como sempre, sai, pedindo para a filha olhar o feijão no fogo, que não demoraria.
                             Vai ao PAM cumprir exames de rotina.
                             Não volta. Morre nas instalações onde deveria estar protegida da morte.
                             No óbito, mal súbito de origem desconhecida, motivo que não encontrou respaldo na constatação que eu e um irmão fizemos, ao pedir para ver o prontuário do atendimento.
                             Diante da pressão alta, aplicaram soro glicosado na veia da velha, sem consultar a sua ficha.
                             Tivessem consultado, leriam lá: diabética, e não a teriam matado por hiperglicemia, por choque hiperglicêmico.
                             Em pesquisa não tão surpreendente, pelo menos para mim, o Ministério da Saúde da França constatou que durante a última greve de médicos a quantidade de óbitos nos hospitais diminuiu de maneira significativa.
                             Claro que não dá para generalizar. Há médicos competentes, mas não gosto de jogo, não acredito em sorte.
                             Os únicos médicos confiáveis são os legistas.
                             Não necessariamente pelos laudos que assinam, mas pela incapacidade de matar.
                             Acredito tanto na competência dos médicos quanto acredito na amabilidade dos policiais.
                             Se quiserem me irritar, aconselhem-me a procurar médicos.
                             Prefiro a morte por causas naturais.


In “Não Haverá Mais Natais”, romance autobiográfico”

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