quinta-feira, 23 de maio de 2013

MEU SÍTIO

Ajeitar o sítio. Dar ordem de despejo aos ratos, chamar alguém para roçar, ir às prestadoras de serviços e pedir religação de energia elétrica, água, telefone. Postear, iluminar tudo, podar árvores, replantar hortas, refazer viveiros... Colocá-lo como o pensei um dia.
                          Não era este sítio em que estou o que queria, não foi esse o sítio que comprei.
                          Meu sítio era outro, de mesma geografia e mesmo endereço, com os meus pavões e faisões espalhados por aí, um laguinho com carpas, as mesas, a churrasqueira sempre acesa.
                          Um pomar de variadas frutas e variada paisagem vegetal, afastado das hortas, lógico, porque de mais serventia a sombra espalhando fresca nos rostos, sem contar que veranistas no litoral, as verduras precisam de sol.
                          E a caverninha lá no morro, ajeitadinha, bem ao lado da mina em parto permanente, parindo um riachinho que sinuoso desceria morro abaixo para se deitar na lagoa que alimentaria patos, marrecos e gansos grasnando a alvorada em todos os dias.
                          Não poderia faltar um papa-vento, claro. Papa-vento é fundamental para atiçar a saudade da infância e mostrar que o vento não pára porque Deus não dorme, está sempre espiando, soprando a Sua brisa de luz sobre nós.
                          Haveria que ter também uma vaquinha. Estaria até dispensada de dar leite, mas teria que mugir.
                          Não basta o flautim do sanhaço, os violinos dos sabiás, os trompetes dos galos, as maracas dos pombos.
                          Sem os bombardinos e as tubas dos bois e das vacas quem faria os contrapontos dos agudos? Não há orquestra sem graves! E ficaria faltando só a moldura, os chocalhos e pratos com os rebites da água nas pedras.
                          Mas com paciência, areia e cimento eu providenciaria.
                          Um telhadinho na porteira também é importante. Portão separa, estabelece limite. Telhado abriga. Portão é para evitar trânsito, telhado é para proteger quem transita.
                          Haveria que ser verde para parecer clorofilado e não destoar das árvores, as telhas todas pintadinhas de verde porque explosões de cores só as inesperadas: o lilás das orquídeas, o amarelo das dálias e girassóis, o vermelho das rosas em profusão: escarlates, carmins, amagentadas, coralíneas... Compondo o que todo artista busca, inocente de que nunca vai encontrar.
                          Telhas pintadas de verde, não posso esquecer. O verde da esperança, como se dissesse seja feliz aqui, ao que chega. Espero que volte, ao que vai, porque a esperança é isso, um fruto de vez que será amarelo amanhã.
                          Mas com tudo isso esse não seria o sítio que eu queria, e mesmo tendo-o eu digo: não tenho sítio!
                          Esse sítio é só cenário, e palco de só cenário é palco vazio, o espetáculo não rola.
                          O sítio que eu queria teria crianças subindo em árvores, correndo na relva, saltando nas pedras, lambusando-se do fruto mais doce.
                          Haveria de ter um parquinho também, de balanços sempre ocupados e gangorras sem descanso.
                          E, bichinhos urbanos debulhando curiosidade, a toda hora um me perguntaria: vô, o que é isso?
                          E eu mentiria daquelas mentirinhas que fazem a infância, e o sítio se povoaria de fadas, gnomos, elfos, duendes... Para brincar com eles.
                          E os pais junto, e as mães, e os vizinhos, e os amigos completando a orquestra com o tilintar dos copos, o vozerio, as gargalhadas.
                          Esse era o sítio que eu queria, palco da minha festa, e não esse em que estou, cubículo do meu exílio.
                           De comum entre os dois, só a geografia e o endereço.


In “Não Haverá Mais Natais”, romance autobiográfico.

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