Ajeitar o sítio. Dar ordem de despejo aos ratos, chamar
alguém para roçar, ir às prestadoras de serviços e pedir religação de energia
elétrica, água, telefone. Postear, iluminar tudo, podar árvores, replantar
hortas, refazer viveiros... Colocá-lo como o pensei um dia.
Não
era este sítio em que estou o que queria, não foi esse o sítio que comprei.
Meu
sítio era outro, de mesma geografia e mesmo endereço, com os meus pavões e
faisões espalhados por aí, um laguinho com carpas, as mesas, a churrasqueira
sempre acesa.
Um
pomar de variadas frutas e variada paisagem vegetal, afastado das hortas,
lógico, porque de mais serventia a sombra espalhando fresca nos rostos, sem
contar que veranistas no litoral, as verduras precisam de sol.
E
a caverninha lá no morro, ajeitadinha, bem ao lado da mina em parto permanente,
parindo um riachinho que sinuoso desceria morro abaixo para se deitar na lagoa
que alimentaria patos, marrecos e gansos grasnando a alvorada em todos os dias.
Não
poderia faltar um papa-vento, claro. Papa-vento é fundamental para atiçar a
saudade da infância e mostrar que o vento não pára porque Deus não dorme, está
sempre espiando, soprando a Sua brisa de luz sobre nós.
Haveria
que ter também uma vaquinha. Estaria até dispensada de dar leite, mas teria que
mugir.
Não
basta o flautim do sanhaço, os violinos dos sabiás, os trompetes dos galos, as
maracas dos pombos.
Sem
os bombardinos e as tubas dos bois e das vacas quem faria os contrapontos dos
agudos? Não há orquestra sem graves! E ficaria faltando só a moldura, os
chocalhos e pratos com os rebites da água nas pedras.
Mas
com paciência, areia e cimento eu providenciaria.
Um
telhadinho na porteira também é importante. Portão separa, estabelece limite.
Telhado abriga. Portão é para evitar trânsito, telhado é para proteger quem
transita.
Haveria
que ser verde para parecer clorofilado e não destoar das árvores, as telhas
todas pintadinhas de verde porque explosões de cores só as inesperadas: o lilás
das orquídeas, o amarelo das dálias e girassóis, o vermelho das rosas em
profusão: escarlates, carmins, amagentadas, coralíneas... Compondo o que todo
artista busca, inocente de que nunca vai encontrar.
Telhas
pintadas de verde, não posso esquecer. O verde da esperança, como se dissesse
seja feliz aqui, ao que chega. Espero que volte, ao que vai, porque a esperança
é isso, um fruto de vez que será amarelo amanhã.
Mas
com tudo isso esse não seria o sítio que eu queria, e mesmo tendo-o eu digo:
não tenho sítio!
Esse
sítio é só cenário, e palco de só cenário é palco vazio, o espetáculo não rola.
O
sítio que eu queria teria crianças subindo em árvores, correndo na relva,
saltando nas pedras, lambusando-se do fruto mais doce.
Haveria
de ter um parquinho também, de balanços sempre ocupados e gangorras sem
descanso.
E,
bichinhos urbanos debulhando curiosidade, a toda hora um me perguntaria: vô, o
que é isso?
E
eu mentiria daquelas mentirinhas que fazem a infância, e o sítio se povoaria de
fadas, gnomos, elfos, duendes... Para brincar com eles.
E
os pais junto, e as mães, e os vizinhos, e os amigos completando a orquestra
com o tilintar dos copos, o vozerio, as gargalhadas.
Esse
era o sítio que eu queria, palco da minha festa, e não esse em que estou,
cubículo do meu exílio.
De comum entre os dois, só a geografia e o
endereço.
In “Não Haverá Mais Natais”, romance
autobiográfico.
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