Há mulheres que possuem tamanha exuberância de forma
que deveriam estar interditas aos homens, só se mostrando de modo indireto e
democrático, em fotografias e pinturas, à disposição unicamente para a libido
coletiva, desperdício para um amante só, sempre menos e menor do que merecem e
querem.
Estou
em plena aula, dissertando sobre terpenos e aminoácidos, redigindo cadeias de
carbono no quadro, explicando transferências de elétrons e ela, ninfa
seqüestrada de uma tela de Boticelli.
São
polegadas exatas, precisos milímetros distribuídos em cada curva, canto, quina,
gruta, ângulo; saliências e reentrâncias arregalando olhos, semeando erotismo,
inundando tudo numa atmosfera de só ela e mais nada, sentada na terceira ou
quarta fileira, compenetrada e alheia para mais infernizar na camurça morena da
pele formando um vale, o decote propositalmente desabotoado, como me
concentrar?
“Professor, por que o radical sumiu?”
“Não entendi. Repete?”
Entre
os professores é chamada, em segredo, de hino nacional: todos cantaram ou
cantam. Quem não cantou nem canta cantará.
Todos
não, quase todos. A maldita e onipresente timidez.
Também
um pouquinho de estratégia, desde a adolescência, e que só identifiquei pouco
tempo atrás, num cursinho de vendas: “antes
de tentar vender a água provoque a sede.”
Queixa
minha a colega comum, “por que eu o único
a não merecer palavras, a não partilhar seus sorrisos, a não orbitar, corpo
estranho, em torno daquela estrela brilhando independente de sóis e luas? Por
que só eu?”
E
resposta surpreendente ativando cada célula, todos os meus átomos antevendo
possibilidades insonhadas, superação de desempenho, longa viagem no colapso dos
sentidos, milhões de anos de evolução só para aquele corpo flutuando no
imaginário e na minha cama: “ela gosta de
você, nunca percebeu?”
Agora
driblar a secretária bilíngüe, toda língua e dedos, dentes miúdos mordendo
graúdo, ciúme de mil olhos vigiando, e a mulher em casa, “aonde vai? Pensa que me engana, que não sei que viaja num mar de
sirigaitas e vagabundas? Isso vai acabar, qualquer dia acabo contigo,
miserável!”
“Deixa de ser boba, coisa da
sua cabeça, eu trabalhando igual a um desgraçado, é curso, escolas, faculdade
que mal tenho tempo pra respirar, pensa que o que trago cai do céu?”
Aproximar
lento e pensado. Pressa espanta, precipitação atrapalha, “o meu noivo oficial do exército em missão no nordeste, casamento ano
que vem, me sinto sozinha, pouco converso que todo mundo bobo, de papo pouco
espirituoso, sem conteúdo, não tem problema vou sim, pode esperar.”
E
a nudez exata. Afrodite ao meu alcance, Vênus sem a amputação dos braços, muito
pelo contrário, eficientíssimos inaugurando o éden no quarto, quartos de exatas
formas, matéria prima para a consecução do exatamente perfeito, a hino nacional
toda estrofes e versos, acordes, afinado coral de desempenho, gen estranho,
talvez de minhoca, talvez de rabo amputado de lagartixa, impondo movimentos
inusitados, inesperado e surpreendente contorcionismo em heróicos brados,
mas...
O
herói cobrado deitado eternamente, o florão da América em berço esplêndido,
iluminado sol apagado, meu São Eros, padroeiro dos adúlteros compulsivos, que
ódio!
Aquela
coisa murcha e encolhida, morta, com a textura de uma lagarta na horta, a
gaveta da cabeceira pequena, insuficiente para eu me esconder, e a desculpa
safada, esfarrapada, deslavada de humilhação e raiva no altar da infinita
vergonha: “eu estava te escondendo, com
medo de estragar tudo, uma dor de dente violenta, insuportável, desculpe...”
“Isso acontece, tem nada não”. E o retorno, caminho de volta antecipado, vestir as
roupas, meu Deus, quero morrer.
Não
desistiu, insinuou-se mais, recorrendo a vasto e variado repertório de sorrisos
e trejeitos.
Não
quero entender nada, desconverso, trauma apontando acontecer de novo, aí é
muito, pedir demissão e sumir, jurar celibato e castidade por punição à espada
maleável e macia, derretida diante de tanto calor exposto, miserável.
Pequenez
tamanha, sentimento do nada só experimentarei novamente daqui a dois anos, pior
ainda porque sem possibilidade de desculpa, dor de dente ou luto pela morte de parente afastado, primo
em oitavo grau ou tia que nunca vi, doeu mais, muito mais, como dizer
independente da minha vontade? Coisa do imponderável montando acampamento no
prazer, justamente no meu número, a minha pedra no bingo do fracasso.
É
técnica de análises clínicas, voluptuosas curvas e relevos esculpindo o uniforme
branco impondo sonhos e desejos aos passantes, semeando torcicolos nos homens e
masturbações nos meninos, inalcançável como uma nebulosa nos confins do tempo,
lá aonde telescópio algum chega, e vê-la desnuda é mera opinião de quem só
imagina, esperando que a oportunidade surja antes que a morte chegue.
Pois
resolveu baixar, corpo, alma e insaciedade no meu corpo devoluto esperando
ocupação, terrível vocação de amazona pronta para montar o mais xucro potro,
indomáveis alazões, tenazes garanhões com a estranha e só dela capacidade de
esconder o próprio peso, de pesar nada, flutuar concreta e dimensional entre a
cama e o lustre do teto, eclipsando qualquer coisa que não fosse o seu corpo.
Oportunidade
assim fadada à noite inteira, muitas horas de sequências e recomeços,
experimentos e repetições distendendo o tempo e anulando o pensamento, alheio a
tudo o que mais existe, reduzindo-me a simples planta plantada naquele corpo,
morada e alimento, impossibilitado de mudar, mas...
A
infindável noite de muitas horas terminou no quinto minuto, se tanto, num
armagedon de final dos tempos, e com tal ímpeto e intensidade que depois só o
sono e a vergonha, a necessidade de não existir, passar ao largo do espelho que
pedido de perdão nenhum diluirá tanta frustração estampada na breve, brevíssima
noite: ejaculação precoce.
In Não Haverá Mais Natais, romance
autobiográfico.
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