Existem
perguntas fundamentais que me afligem.
Como
na mitologia, habita em mim uma esfinge propondo enigmas me exigindo respostas,
para que eu não me veja devorado por mim mesmo.
O
mais só podia ser como é, e nada de novo me surpreende, só confirma o esperado.
Não
faz diferença se enveredamos pela estrada da religião ou da ciência porque
ambas terminam num beco sem saída.
Acompanhe-me
primeiro pela estrada da religião, ou da metafísica, como preferem chamar os
materialistas: todas as religiões têm em comum a crença na existência de
divindades, de um ou vários deuses, criador ou criadores do universo.
Não
questionarei como fez ou fizeram, porque está além da nossa compreensão,
ultrapassa qualquer possibilidade de especulação, a menos que sejamos
totalmente ignorantes da complexidade e da imensidão do universo e toda a sua
fauna cósmica: planetas, satélites, cometas, asteróides, meteoros, estrelas,
pulsares, quasares, estrelas neutrônicas, magnetrônicas, gigantes vermelhas,
anãs brancas, supernovas, constelações, galáxias, buracos negros, buracos
brancos, antimatéria, matéria escura, energia escura, poeira cósmica,
nebulosas... Em quantidade infinitamente maior que o número de grãos de areia
em nosso planeta, tudo em movimento, em permanente mutação, uns
transformando-se nos outros, numa constante evolução.
Aceitar
um deus simplista, feito à imagem e semelhança do homem, é apequenar deus,
fazê-lo um homem melhorado.
A
questão central não é como fez, mas porque fez, com que intenção, com que
propósito.
Esse
papo de para a própria graça, para dar testemunho de si... Não vale.
Amor
e poder são incompatíveis com a vaidade.
Como
não admito a leviandade e a inconsequência em um deus, deve haver uma intenção,
um propósito. Qual?
Sob
o ponto de vista religioso esta é a questão central em meus pensamentos.
Descartando-se
deus e ficando no meramente material: porque existe tudo quando seria muito
mais fácil e simples não existir?
Antes
do instante zero do big-bang não existia nada, a partir do que passou a existir
tudo o que conhecemos, por evolução.
Isto
violenta a lei de conservação da matéria e energia, que não podem surgir do
nada.
Aí
os sábios vêm me dizer que a lei de conservação da matéria e energia é inerente à matéria e à energia criadas no big-bang.
Tudo
bem. Então quais eram as leis que determinaram o big-bang? O que motivou a
ignição, a grande explosão?
Voltam
os sábios: como somos frutos da evolução pós big-bang, jamais teremos condições
de entender ou sequer imaginar o que o antecedeu.
É
frustrante.
A
outra questão é a da expansão do Universo. Não é se está em expansão ou não.
Está por demais provado que está se expandindo, crescendo.
Ora,
qualquer criança sabe que crescer é ocupar mais espaço, só que o espaço está no
interior do universo, faz parte do universo, formado junto com a matéria e a
energia, no big-bang.
Se
não há espaço fora, como cresce? Cresce para onde? Como ocupar mais espaço na
inexistência de espaço?
Formar
uma imagem mental disso, pelo menos para mim, é um desafio e um suplício.
Estas
são perguntas tão fundamentais que, sem respostas, transformam as religiões em
opiniões e as ciências em meras descrições.
É
como se homens primitivos observassem um avião pela primeira vez: uns diriam
que se trata de uma cruz no céu, imediatamente associando a forças
sobrenaturais, sem provas.
Estariam
fazendo religião.
Outros
observariam mais atentamente a forma, cor, brilho, a velocidade de
deslocamento, direção, som das turbinas... Propondo um modelo, uma
possibilidade para o que observaram.
Estariam
fazendo ciência, sem que nem uns nem outros viessem a entender o que é um
avião.
Em
âmbito mais restrito, a questão da vida: por que é que a matéria bruta evoluiu
para a vida? Esta era a opção única? E por que é que a vida evoluiu para a
consciência?
Uma
das afirmações mais fantásticas que já li é de Engels*: “Com o aparecimento do Homem a natureza criou consciência de si.”
A
consciência é privilégio do homem ou é um fenômeno universal?
É
atributo da matéria organizada ou a matéria se organiza a partir de uma
consciência ou da consciência? .
Essas
são as perguntas que me faço desde a adolescência, incomodando-me em cada dia
da vida, levando-me aos livros, a longas conversas e profundas reflexões, e
para as quais sei que não terei respostas.
Voltaire**
afirmou invejar profundamente a ignorância da vizinha, afirmando que na
ignorância residia a felicidade dela.
Não
chego ao radicalismo de Voltaire, mas entendo a felicidade como a organização
mental, a harmonia mental, a coerência entre a razão e os sentimentos.
Na
medida em que adquirimos conhecimento ampliamos a mente, tornando-a maior e
mais complexa, dificultando a presença da felicidade.
É
mais fácil administrar um pequeno quintal que manter limpo e arrumado um latifúndio.
Voltaire
sabia das coisas.
Fácil
e bom ser um fanático religioso, com tudo pronto, encaixadinho. Mais fácil um
bobo alegre na esquina, na calçada, discutindo futebol ou a roupa do vizinho.
Pensar
é que dói.
* N. E.: Engels: filósofo
alemão que ao lado de Karl Marx criou as bases teóricas do socialismo moderno.
** N. E.: Voltaire: filósofo de
um movimento que ficou conhecido por Iluminismo.
In "Não Haverá Mais Natais", romance autobiográfico.
In "Não Haverá Mais Natais", romance autobiográfico.
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