Na cabeceira da pista o trânsito é intenso, todo o design da indústria aeronáutica
desfilando diante dos meus olhos enamorados daquelas formas femininas, mulheres
de braços abertos me esperando.
Um
dia conduzirei um desses e do alto, lá depois das nuvens, pensarei que sou ave,
anjo, qualquer coisa maior que um homem ancorado na aspereza do chão,
arrastando-se, escravo da gravidade, até o último dia de vida, até que o chão o
receba em definitivo.
Olhos
nos aviões, pés na areia, água quase na cintura, examino um a um os puçás, não
raro dois, três siris agarrados na isca, sebo de boi, antes que todos sumam,
quando o óleo do aeroporto e da usina da Petrobrás, os esgotos de todas as
casas da ilha e da cidade em torno tornarem esta praia um deserto líquido e
fétido, negro, pequena célula do câncer que se amplia, corre campos e
florestas, cidades e mares, transformando em tumor todo o planeta agônico, em
dia futuro mausoléu de uma espécie insensata.
A
metros de mim, acocorado no atracadouro meu pai aguarda mordidelas no anzol.
Serão
pampos e cocorocas, papa-terras que se juntarão aos siris e freqüentarão a
nossa mesa durante quase toda a semana, salvo uns ou outros ovos recolhidos no
quintal, pá ou acém, lombinho entre batatas, às vezes sopa de entulho na semana
subseqüente à do pagamento, menos de quando de vento a favor: dá camarão!
E,
por pobreza, o paradoxo na mesa: camarão!
Tão
gostoso quanto almoçar ou jantar é pescar almoço e janta!
In Não Haverá Mais Natais, romance
autobiográfico.
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