Inexperiência ou má-fé, manobra dos editores, talvez, alguém
chega por trás e toca as minhas costas: “tem
um jornalista aí querendo conversar contigo.”
Garoto
metido num terno sem gravata, a blusa desabotoada na gola, cara de mauricinho
orgulho do papai.
Quer
a minha opinião sobre o provável fracasso de mais um plano econômico: “na sua opinião a inflação será contida? O
senhor vê alguma possibilidade de controle da inflação?”
A
maneira direta, fazendo logo da primeira pergunta o ápice do assunto, sem preâmbulos
capazes de induzirem-me a estar no clima propício, como sabem os repórteres
experientes, trai a condição de estagiário, foca aspirando estrelato.
Estica
o microfone até o meu nariz, quase o enfiando por minha boca: “certamente este é mais um plano nascido
para o fracasso. O cerne do problema está na especulação, que o governo não
ataca para não contrariar interesses poderosos, e o trabalhador brasileiro é
que paga a conta.
O overnight é uma
vergonha. Enquanto houver essa excrescência econômica não há sistema econômico
que se sustente.
Se você considerar
que nos aproximamos do fim de ano. Que com o décimo terceiro salário a massa de
dinheiro circulante praticamente dobrará, com corrida ao mercado e mais
especulação, esse é mais um plano que vai para o ralo”.
Manchete,
no dia seguinte, do J. do C.: “LÍDER SINDICAL DIZ QUE DÉCIMO-TERCEIRO SALÁRIO
INFLACIONA A ECONOMIA”.
Escusado
é dizer que nunca tanta gente se lembrou que tenho mãe, do Oiapoque ao Chuí,
todo mundo homenageando a velhinha com o mesmo e carinhoso epíteto usado para
as mães dos juízes que não apitam pênalti explícito em decisão de campeonato.
Por
um ou dois dias foi a puta mais reconhecida e consagrada do sindicalismo
brasileiro, comigo distante do telefone, cansado de tanto repetir a mesma
história, “não foi isso que falei, porra!
Você acha que fiquei maluco?”
A
forra virá mais ou menos um mês depois.
Gravador
a tiracolo, fio do microfone em torno do pescoço, saia exigindo tanto pano
quanto a calcinha, para a confecção, a moreninha se aproxima: “dá umas palavrinhas pra mim?”
“Claro. Você
trabalha onde?”
“J. do C.” (eles de
novo!).
Nos
afastamos para um canto mais silencioso, e vem a pergunta: “segundo o ministro da fazenda essa greve...”
Interrompo
a pergunta, já respondendo: “de acordo
com as implicações metafísicas e ortorrômbicas dos hidrovácuos, apraz que a
diarréia mental é uma moléstia que ataca a direita infiltrada nos jornalecos de
segunda, porta-vozes dos ratos que copulam com antas, semeando maurícios e
patrícias para nos encher o saco.”
E
completo: “que perninhas você tem, ein,
menina?”
Constrangida,
de olhos arregalados, tenta sorrir, permanecer simpática: “não entendi!”
“Mostre a gravação
para o seu redator-chefe que ele lhe explica. Aproveita e diz pra ele que a mãe
dele está cobrando muito caro. A velha está inflacionando a economia nacional.”
Ela
se volta para os poucos circundantes e, sempre sorrindo, sem esconder a
contrariedade encerra o assunto: “esse
cara é maluco!”
In “Não
Haverá Mais Natais”, romance autobiográfico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário