sábado, 25 de maio de 2013

MAMÃE HOMENAGEADA

Inexperiência ou má-fé, manobra dos editores, talvez, alguém chega por trás e toca as minhas costas: “tem um jornalista aí querendo conversar contigo.”
                             Garoto metido num terno sem gravata, a blusa desabotoada na gola, cara de mauricinho orgulho do papai.
                             Quer a minha opinião sobre o provável fracasso de mais um plano econômico: “na sua opinião a inflação será contida? O senhor vê alguma possibilidade de controle da inflação?”
                             A maneira direta, fazendo logo da primeira pergunta o ápice do assunto, sem preâmbulos capazes de induzirem-me a estar no clima propício, como sabem os repórteres experientes, trai a condição de estagiário, foca aspirando estrelato.
                             Estica o microfone até o meu nariz, quase o enfiando por minha boca: “certamente este é mais um plano nascido para o fracasso. O cerne do problema está na especulação, que o governo não ataca para não contrariar interesses poderosos, e o trabalhador brasileiro é que paga a conta.
                             O overnight é uma vergonha. Enquanto houver essa excrescência econômica não há sistema econômico que se sustente.
                             Se você considerar que nos aproximamos do fim de ano. Que com o décimo terceiro salário a massa de dinheiro circulante praticamente dobrará, com corrida ao mercado e mais especulação, esse é mais um plano que vai para o ralo”.
                             Manchete, no dia seguinte, do J. do C.: “LÍDER SINDICAL DIZ QUE DÉCIMO-TERCEIRO SALÁRIO INFLACIONA A ECONOMIA”.
                             Escusado é dizer que nunca tanta gente se lembrou que tenho mãe, do Oiapoque ao Chuí, todo mundo homenageando a velhinha com o mesmo e carinhoso epíteto usado para as mães dos juízes que não apitam pênalti explícito em decisão de campeonato.
                             Por um ou dois dias foi a puta mais reconhecida e consagrada do sindicalismo brasileiro, comigo distante do telefone, cansado de tanto repetir a mesma história, “não foi isso que falei, porra! Você acha que fiquei maluco?”    
                            
                             A forra virá mais ou menos um mês depois.
                             Gravador a tiracolo, fio do microfone em torno do pescoço, saia exigindo tanto pano quanto a calcinha, para a confecção, a moreninha se aproxima: “dá umas palavrinhas pra mim?”
                             “Claro. Você trabalha onde?”
                             “J. do C.” (eles de novo!).
                             Nos afastamos para um canto mais silencioso, e vem a pergunta: “segundo o ministro da fazenda essa greve...”
                             Interrompo a pergunta, já respondendo: “de acordo com as implicações metafísicas e ortorrômbicas dos hidrovácuos, apraz que a diarréia mental é uma moléstia que ataca a direita infiltrada nos jornalecos de segunda, porta-vozes dos ratos que copulam com antas, semeando maurícios e patrícias para nos encher o saco.”
                             E completo: “que perninhas você tem, ein, menina?”
                             Constrangida, de olhos arregalados, tenta sorrir, permanecer simpática: “não entendi!”
                             “Mostre a gravação para o seu redator-chefe que ele lhe explica. Aproveita e diz pra ele que a mãe dele está cobrando muito caro. A velha está inflacionando a economia nacional.”
                             Ela se volta para os poucos circundantes e, sempre sorrindo, sem esconder a contrariedade encerra o assunto: “esse cara é maluco!”


In “Não Haverá Mais Natais”, romance autobiográfico.

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