A pergunta
que mais me fazem é se tenho religião, qual é a minha religião, se “freqüento”
alguma religião, se acredito em Deus, onde “congrego”...
Engraçado
é que perdi a conta do número de vezes em que os protestantes,
inconscientemente, em ato falho, trocaram o professor por pastor.
Agora,
comigo trabalhando como voluntário em um abrigo de orientação protestante, o
negócio tomou tamanha rotina que já não corrijo mais.
Normalmente
respondo afirmando não ter religião, ou me dizendo ecumênico, com as pessoas
surpreendidas, sem saber que “religião” é essa.
A
primeira coisa a esclarecer é que não ter religião não é o mesmo que ser ateu.
Fui
materialista por uns bons anos, apoiado na literatura marxista, na dialética, e
voltei ao teísmo (crença num deus) por absoluto vazio intelectual.
A
minha crença em Deus não é questão de fé, de “conhecimento” incutido por
tradição familiar ou leitura de textos religiosos, é uma necessidade
intelectual para entender e explicar a realidade.
Só
não me subordino a doutrinas, por entendê-las excludentes (não aceitam as
outras), prepotentes (acreditam-se donas da verdade, proprietárias dos segredos
divinos), primitivas (humanizam Deus, atribuindo-Lhe os mesmos sentimentos
humanos, miúdos e limitados) e reducionistas (consideram que já está tudo
explicado nos textos religiosos).
Noto
muita má fé, manobra ideológica e ignorância (no sentido de ignorar,
desconhecer) entre as lideranças religiosas.
Aceito
que neguem a evolução, o big-bang, a materialidade dos fenômenos naturais, o
que quiserem, desde que saibam do que estão falando, que conheçam o assunto,
sob pena de estarem repetindo uma criança em defesa de Papai Noel ou da
cegonha.
Só
tem autoridade para aceitar ou negar qualquer teoria quem a conheça, sob pena
de crassa ignorância, de leviandade, o que não seria de se esperar em quem se
pretende orientador do próximo ou porta-voz das vontades divinas.
No
passado acreditamos na Terra como o centro do Universo e o homem criado à
imagem e semelhança de Deus, fisicamente mesmo* (é só consultar os documentos
da época, sobre os quais os artistas plásticos criaram as suas obras e que
estão ai pelos museus até hoje).
Nada
mais lógico. Se o homem era o centro da criação, o planeta em que habitava
deveria ser o centro do Universo, com tudo girando em torno dele, Deus próximo
e com a incumbência única de vigiar e orientar o seu rebanho.
Aí
descobrimos que nosso planeta não era o centro de nada, mas que girava em torno
do Sol. E o sistema solar passou a ser o centro do universo, decrescendo a
nossa importância.
Aí
descobrimos que o Sol só era o centro do Sistema Solar, girando em torno de um
imenso Buraco Negro, situado no centro da nossa galáxia, a Via Láctea.
E
mais descobrimos: que estamos na periferia da galáxia, lá nos subúrbios
cósmicos, e que o Sol é uma das menores, menos brilhantes e mais frias
estrelas, uma insignificância diante do Universo.
Aí
a Via Láctea passou a ser o centro do Universo, ou melhor: todo o universo era
a Via Láctea, lar da principal criação de Deus.
Aí
descobrimos que existem bilhões de galáxias, cada uma delas com bilhões de
sóis, e que a Via Láctea é uma das menores.
Aí,
recentemente, descobrimos que cada estrela, ou pelo menos a maioria das
estrelas, tem planetas girando em torno de si, exatamente como o Sol, abrindo
infinitas possibilidades para infinitas formas de vida.
E
de aí em aí...
Descobrimos que não somos o centro de nada, senão de nós
mesmos**.
As
religiões não evoluíram junto com a evolução do conhecimento humano, e o Deus
responsável por isso tudo continua aquele mesmo do tempo em que acreditávamos
que morava aqui ao lado, quando tudo girava em torno de nós e o Universo
acabava ali adiante.
Nos
informamos e oramos pelos mesmos textos dessa época, e o que não se enquadra
nos textos é simplesmente abandonado, desconsiderado, seja por dizerem que é
mentira, má fé da ciência ou obra de forças malignas, quando não ridicularizam
os que defendem os postulados científicos, esquecendo que não é uma questão de
crer ou não crer, mas de apontar o telescópio ou o microscópio e ver.
A
argumentação, para essa posição, é de que os textos religiosos foram
“inspirados”.
Tudo
bem, desde que se aceite que foram inspirados para aquela época, porque hoje,
pelas inconsistências e contradições, só forçando uma boa barra e afirmando que
a linguagem é figurada, imprópria a uma interpretação literal, como fazem.
Não
consigo ir a uma igreja ou a um templo para ouvir que “a ciência afirma que o
homem veio do macaco”, com o cara ridicularizando Darwin e todos os
evolucionistas.
Li
toda a obra de Darwin*** e não há tal afirmação.
Quando
vão ao púlpito afirmar isso estão agindo como papagaios repetidores do que
ouviram, sem saber o que e do que estão falando, ou sabem e agem de má fé?
* N. A.: é só ouvir o discurso
dos religiosos, ainda hoje: “as mãos de Deus”, “o olhar de Deus”, “o hálito de
Deus”... E não citam em sentido figurado não. Acreditam que estão sendo
fisicamente olhados, tocados...
** N. A.: é cada vez mais
consistente a possibilidade do multiverso, cada vez maiores as evidências de
que o nosso universo não é único, mas um em um número infinito de universos (a
melhor maneira de criarmos uma imagem mental disso é imaginar a água fervendo:
cada bolhinha seria um universo).
*** N. A.: Darwin escreveu dois
livros: “A Origem das Espécies” e “A Origem do Homem”. Depois juntou os seus
diários e apontamentos de bordo, quando viajou por anos, no Beagle, um navio
inglês (esteve no Brasil, em
Cabo Frio ) e transformou em mais um livro: “Viagem de um
Naturalista ao Redor do Mundo”. Juro que o macaco citado pelos religiosos não
está escondido nesses livros.
In "Não Haverá Mais Natais", romance autobiográfico.
In "Não Haverá Mais Natais", romance autobiográfico.
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