quinta-feira, 23 de maio de 2013

MESTRADO

Estou num prédio amplo, espaçoso, de corredores perfeitamente limpos, pé direito alto, jardins bem cuidados, arquitetura digna de Niemayer, se não assinada por ele, as paredes envidraçadas pondo os condôminos na Floresta da Tijuca, exuberância de fauna e flora, local digno de homens superiores, diante dos quais quaisquer outros são protótipos, formas em elaboração, degeneração pensando-se perfeição.
                  Conjugando o verbo exagerar em todos os seus tempos e modos, convenceram-me jogador desse time, o dos superiores, dos que pairam, incólumes e oniscientes, sobre a pequenez de todo o resto da espécie, e me inscrevi, me inscreveram, no IMPA, Instituto de Matemática Pura e Aplicada.
                  Farei mestrado e ninguém mais ousará ostentar qualquer particularidade positiva diante de mim.
                  Mas bastam alguns minutos para que eu me perceba o único humano entre não humanos, terráqueo em planeta alheio ou qualquer coisa entre humanos, ouvindo uma língua entre o sânscrito e o tailandês, signos e símbolos transformando o quadro-negro num diário de bordo de nave alienígena recém chegada de Alfa do Centauro, diante dos quais qualquer hieróglifo egípcio torna-se matéria de cartilha na pré-escola, a bibliografia em inglês, idioma do qual só sei o que me estampam os letreiros das lojas e um ou outro verso de Lennon e McCartney.
                  Seria muita humilhação trancar matrícula, confessar a minha estranha anatomia de meio cérebro e neurônios inválidos, incapazes de entender as implicações topográficas num espaço aberto de dimensões infinitas, matematicamente falando, então infere-se que... É pertinente, consistente, deduz-se, transpondo, substituindo-se, logo... E tome parêntesis, chaves, colchetes, vírgulas, barras, letras gregas, símbolos egípcios, riscos rupestres...
                  Nada do meu parco arsenal de conhecimentos: algarismos, sinais de operações: mais, menos, dividido... Melhor ter mãe na zona.
                  E abandonei. Jurei nunca mais voltar lá e lá não voltei.
                  Criei medo de sair conversando com os postes, vendo navios navegando em nuvens.


In “Não Haverá Mais Natais”, Romance autobiográfico.

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