sexta-feira, 30 de agosto de 2013

SABOMBRINO E O BUMBO

Cansado de reclamar, divorciado já da santa paz, Sabombrino viu um vídeo de um líder religioso.
O ungido do senhor e de escândalos financeiros incitando o rebanho a redobrar esforços na guerra da salvação, falando no rádio e na televisão, inundando a net de textos e vídeos, colocando alto falantes nas igrejas, nas ruas, nas praças, no pé da orelha de cada ímpio, de cada herege, de cada idólatra, de cada instrumento do satanás... Em volúpia tanta que em ultimato: ou se converte ou enlouquece!
E sabombrino tomou uma decisão: comprou um bumbo.
Mal amanhecia, vinha a primeira porrada no couro, reproduzida em porradas outras mil, em ensurdecedor ribombar de final dos tempos, o dia todo.
Mal começava um culto, lá estava Sabombrino ribombando o bumbo na porta da igreja.
Terminava o culto, seguia os irmãos, sem parar de ribombar, e ribombando seguia até a casa de cada um.
Se alguém ligava o rádio, tome-lhe bumbo no salmo, no louvor, nas graças alcançadas.
E ribombando o bumbo seguia Sabombrino, nas praças, entre os pombos e os casais de namorados; nos modorrentos e burocráticos expedientes das repartições públicas; nas vitrines e leprosários... Onde houvesse um vivente provido de ouvidos.
E tome-lhe ribombadas nas orelhas dos incautos, estarrecidos a princípio, irritados, depois, em fúria santa no final.
E nada abalava Sabombrino na sua sanha de fabricar loucos enfurecidos.
Logo alguém gostou da idéia, e junto com o primeiro bumbo, ribombou o segundo. Depois outro, e outro, e mais outro... Milhões deles em ribombadas diuturnas e continuadas.
Ribombavam na net, nos telefones, nas vitrines e puteiros, em tudo que é canto e lugar: bum, bum, bum... E ninguém para pedir intervenção federal, ação da polícia, culto de descarrego, qualquer merda capaz de parar a sanha desumana daqueles milhões de braços socando baquetas nos bumbos.
Mas também, como fazer? Já havia bumbeiro nos quartéis, nos palácios, nas escolas e presídios, hospitais... Reduzindo a rotina de todos a só ouvir bumbos.
Passando por cima das desavenças por conta das diferenças doutrinárias, como a divisão dos dízimos, por exemplo, os 8.974.084.213 líderes religiosos de 7.339.014.321 igrejas de 2.173.422 denominações diferentes agendaram uma reunião com Sabombrino, para contornar a situação, já que ninguém mais andava, alienados de si mesmos, mas marchava no ritmo do bumbo, em alienante som único nos miolos.
E tomou a palavra o mais rico dos líderes:
- Quanto para parar esse maldito bumbo!
E Sabombrino, sem parar de bater:
- O meu bumbo não é maldito, o maldito sou eu. Se eu não o ribombar não os incomoda, e quem o ribomba sou eu.
- Sim, mas quanto?
- Não tem quanto, mas de que maneira – respondeu, Sabombrino.
- E qual é, pelo amor de Deus, irmão! – Os líderes já em desespero com o ribombeio intercalando palavras, dificultando o entendimento.
- Eu ribombo baixo e só perto de quem gosta de ouvir a sinfonia dos bumbos e vocês abrem a matraca baixo e só perto dos sensíveis à sinfonia das matracas.  
E assim a santa paz de Deus voltou a reinar entre os matracas da palavra e os ribombadores de bumbos.

Francisco Costa

Rio, 30/08/2013.

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