Cansado de
reclamar, divorciado já da santa paz, Sabombrino viu um vídeo de um líder
religioso.
O ungido do
senhor e de escândalos financeiros incitando o rebanho a redobrar esforços na
guerra da salvação, falando no rádio e na televisão, inundando a net de textos
e vídeos, colocando alto falantes nas igrejas, nas ruas, nas praças, no pé da
orelha de cada ímpio, de cada herege, de cada idólatra, de cada instrumento do
satanás... Em volúpia tanta que em ultimato: ou se converte ou enlouquece!
E sabombrino
tomou uma decisão: comprou um bumbo.
Mal
amanhecia, vinha a primeira porrada no couro, reproduzida em porradas outras
mil, em ensurdecedor ribombar de final dos tempos, o dia todo.
Mal começava
um culto, lá estava Sabombrino ribombando o bumbo na porta da igreja.
Terminava o
culto, seguia os irmãos, sem parar de ribombar, e ribombando seguia até a casa de
cada um.
Se alguém
ligava o rádio, tome-lhe bumbo no salmo, no louvor, nas graças alcançadas.
E ribombando
o bumbo seguia Sabombrino, nas praças, entre os pombos e os casais de
namorados; nos modorrentos e burocráticos expedientes das repartições públicas;
nas vitrines e leprosários... Onde houvesse um vivente provido de ouvidos.
E tome-lhe
ribombadas nas orelhas dos incautos, estarrecidos a princípio, irritados,
depois, em fúria santa no final.
E nada abalava
Sabombrino na sua sanha de fabricar loucos enfurecidos.
Logo alguém
gostou da idéia, e junto com o primeiro bumbo, ribombou o segundo. Depois
outro, e outro, e mais outro... Milhões deles em ribombadas diuturnas e
continuadas.
Ribombavam
na net, nos telefones, nas vitrines e puteiros, em tudo que é canto e lugar:
bum, bum, bum... E ninguém para pedir intervenção federal, ação da polícia,
culto de descarrego, qualquer merda capaz de parar a sanha desumana daqueles
milhões de braços socando baquetas nos bumbos.
Mas também,
como fazer? Já havia bumbeiro nos quartéis, nos palácios, nas escolas e
presídios, hospitais... Reduzindo a rotina de todos a só ouvir bumbos.
Passando por
cima das desavenças por conta das diferenças doutrinárias, como a divisão dos
dízimos, por exemplo, os 8.974.084.213 líderes religiosos de 7.339.014.321
igrejas de 2.173.422 denominações diferentes agendaram uma reunião com
Sabombrino, para contornar a situação, já que ninguém mais andava, alienados de
si mesmos, mas marchava no ritmo do bumbo, em alienante som único nos miolos.
E tomou a
palavra o mais rico dos líderes:
- Quanto
para parar esse maldito bumbo!
E
Sabombrino, sem parar de bater:
- O meu bumbo
não é maldito, o maldito sou eu. Se eu não o ribombar não os incomoda, e quem o
ribomba sou eu.
- Sim, mas
quanto?
- Não tem
quanto, mas de que maneira – respondeu, Sabombrino.
- E qual é,
pelo amor de Deus, irmão! – Os líderes já em desespero com o ribombeio
intercalando palavras, dificultando o entendimento.
- Eu ribombo
baixo e só perto de quem gosta de ouvir a sinfonia dos bumbos e vocês abrem a
matraca baixo e só perto dos sensíveis à sinfonia das matracas.
E assim a santa
paz de Deus voltou a reinar entre os matracas da palavra e os ribombadores de
bumbos.
Francisco
Costa
Rio,
30/08/2013.
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