segunda-feira, 24 de junho de 2013

ENTREVISTA CONCEDIDA A RÁDIO PONTO UM 24/06/2013 8:00 h

PONTO 1 – Bom dia, Francisco, Bem vindo à nossa comunidade. Antes de começarmos, quero marcar a nossa admiração pela sua postura diante dos fatos que estão rolando, e pela sua coragem.
Francisco Costa – Obrigadão, bondade sua. Bom dia. Bom dia pra galera que está em casa, a luta continua!

P 1 – Como é que você define esse movimento?
F C – Esse movimento tem características totalmente diferentes dos movimentos anteriores e acredito que é um dos primeiros nesses moldes, senão o primeiro, no mundo. É um movimento de facebook, o que deixa o governo impotente para reagir.

P 1 – A garotada resolveu fazer política...
F C – Depende do que você chama de política. Se entendermos todos os movimentos sociais como movimentos políticos, sim. Agora, pelo sentido tradicional, de posicionamento ideológico, aí não. É um movimento apolítico, que vai naturalmente se politizar, lógico, não pode ser de outra maneira.

P 1 – Explica melhor pros nossos ouvintes, porque está meio confuso.
F C – Esse é um movimento de juventude, de garotada, adolescentes, em sua maioria, é só ir a uma passeata e ver. Não há proposta política porque a molecada não tem política na cabeça, não tem informações. É muito mais um movimento moral do que político, se nos prendermos ao conceito tradicional de política.
                   É tanta roubalheira, tanto nepotismo, tanta sacanagem que a molecada se indignou. Eles não estão com posicionamento ideológico, de derrubar porque é de esquerda ou é de direita, conservador ou progressista, isso é coisa da velharia saudosa de Collor, FHC ou da ditadura, ou de sonhadores pensando em cortinas de ferro e produção controlada.
                   Eles querem derrubar porque acham que é máfia, quadrilha organizada, no que estão com a razão, assino junto.
                   Começaram a trocar informações no face, a postar denúncias pinçadas da mídia, da oposição, e que são verdadeiras. A indignação foi crescendo, a farsa que está aí escancarada se mostrou, e foram para as ruas.
                   Como o PT e a base aliada estão com a cara na janela, é quem está levando a porradaria, mas o ódio é à toda classe política, a todos os políticos e partidos.
                   Você vê que a oposição não se manifestou. O Dem, o PSDB, o PPS, PSOL estão quietinhos, quando o normal seria se aproveitarem da situação. E porque não apareceram? Se colocarem a cara na janela serão apedrejados também. O povo sabe que a oposição não é menos ladra do que o governo.

P 1 – Fala aí do nepotismo.
F C – Em Brasília nas famílias ligadas ao governo todo mundo é funcionário público, pai mãe e a filharada. Temos diversos casos onde o cara é senador, a mulher é deputada federal e o filho é deputado estadual.
                   Aqui no Rio mesmo, o filho do Bolsonaro tem mandato; o filho da Lucinha tem mandato; aquela família lá da Penha, esqueci o sobrenome, todo mundo tem mandato. São famílias onde todo mundo é parlamentar, que p* é essa?
                   A quantidade de funcionários públicos, no Brasil, cresce mais que a quantidade de moscas no lixo, e não são médicos, policiais, professores, bombeiros... São todos na administração pública, tudo emprego para fantasmas com salários altíssimos, para o filho desse, neto daquele, cabo eleitoral daquele outro, para o irmão da amante, o sobrinho do corruptor... Uma zona com o nosso dinheiro.

P 1 – A roubalheira...
F C – A molecada começou a se indignar, e começou a discutir isso nas redes sociais.
                   Em Brasília desgraça tudo. Vamos ver: Sarney. Posa como o paladino da democracia e no entanto foi o presidente da ARENA, partido político criado artificialmente pela ditadura, para dar-lhe fachada de legalidade política. Foi cúmplice das torturas, dos banimentos, dos exílios, das prisões arbitrárias. Quando viu que os ares da liberdade sopravam no Brasil, abandonou os generais. Acabou a ditadura o filho da puta conseguiu ser vice do Tancredo, por acordo com os conservadores. Tancredo pelos progressistas e ele pelos conservadores, para detonarem Maluf, candidato da ditadura. Tancredo morre, e o filho da puta vira presidente. Aí vem Collor e ele rapidamente passa para o lado de Collor. Sente que Collor vai cair, passa para a oposição e ajuda a derrubar Collor, aderindo a Itamar Franco. Sai Itamar, vem FHC e ele se torna presidente do Congresso Nacional, base de sustentação do governo de FHC. Apoiou Serra. Lula ganhou as eleições e ele foi o primeiro da fila a se vender ao PT, voltou a ser presidente do Congresso, base de sustentação de Lula. Veio Dilma e Sarney tem tanto ou mais poder que o próprio Renan, que é o presidente do Senado... Almoça, janta e viaja junto com Lula e Dilma.

P 1 – Os outr...
F C – Mais uma coisinha só sobre o rato: havia os três senadores do Maranhão e na eleição um deveria ser substituído. Sarney percebeu que perderia a eleição, que o outro é que entraria. O que fez ele? Candidatou-se por outro estado, no norte, não lembro se Acre, Rondônia, sem nem ter domicílio eleitoral lá, passando por cima da lei, através de liminares compradas de juízes corruptos, fez uma derrama de dinheiro, para comprar votos, já que era desconhecido lá, e ganhou as eleições. O Maranhão passou a ser o único estado com quatro senadores, enquanto o estado que o elegeu ficou com dois. Os dois estados mais pobres do país? Maranhão e Piauí, justamente os estados comandados pela família Sarney a décadas... Os meninos da net, sabedores dessas merdas, tiveram ânsia de vômitos e foram para as ruas.

P 1 – É sempre bom a gente passar essas informações, e você que está aí nos ouvindo, entende os motivo da revolta do povo? Fala mais dessa turma, Francisco.
F C – Vamos pro Renan. Corruptaço. Investigado pelos próprios pares, seria caçado, por corrupção. Para evitar a cassação, renunciou. Elegeu-se de novo, foi para o Senado e Dilma o fez Presidente do Senado, para subordinar justamente os que o investigaram e iam por na cadeia, por corrupção. A mulher dele foi flagrada numa agência do Banco do Brasil, sacando um cheque de Cachoeirinha, cheque esse de pagamento de propina, fruto de corrupção. Quem é Cachoeirinha? Um mafioso condenado a trinta e nove anos de cadeia, e que desfila na vida noturna de Brasília, nas boates e clubes. Casou-se a pouco tempo e a milionária lua de mel foi alvo da imprensa. Porque não é preso? Proteção do Presidente do Senado, Renan Calheiros, homem de confiança de Dilma Rousseff. E aí?
                   Maluf. Foi governador de São Paulo nomeado pela ditadura, sem eleição. Seu chefe de segurança foi o delegado Fleury, o mais sanguinário dos torturadores da América do Sul. Há caso de mulheres que tiveram os bicos dos peitos arrancados com torquês, unhas arrancadas com alicate, úteros perfurados a cassetete, com o conhecimento do Maluf. Roubou tanto, em sucessivos mandatos, que hoje não sabe mais o que tem, tão espalhada está a fortuna dele, em diversos paraísos fiscais. É tão desonesto que cometeu falcatruas fora do Brasil e é procurado no mundo todo, pela Interpol. Acho que é o único caso do mundo de exilado no seu país de origem. Maluf é um exilado brasileiro no Brasil. Se atravessar a fronteira é preso. Não só é deputado como faz parte justamente da Comissão de Constituição e Justiça – olha o detalhe: de justiça, do Congresso Nacional. E aí? É da base de sustentação de Dilma.
                   Aí vem Collor, derrubado com uma força terrível do PT, hoje peça fundamental no bloco de sustentação do PT, no esquema ditatorial do PT; passa por uma porrada de parlamentares petistas condenados por roubo e que continuam deputados, senadores... Com uma arrogância que parece que o povo é bandido e eles os delegados de polícia. Já viu a arrogância do Genoíno, como ele trata a imprensa? É brabo de aturar isso, amigo. Genoíno é um dos que o Supremo quer nas grades. Não está porque a Dilma não quer dar a ordem para a polícia federal capturá-lo.

P 1 – Você falou em ditadura petista, o que realmente está rolando nas redes sociais. Fala um pouco disso.
F C – O PT, via loteamento de cargos e ministérios, já são quarenta. Em turmas de quarenta alunos eu não conseguia decorar o nome de todos, quero saber se a Dilma conhece todos os seus ministros. Todo dia criam um ministério novo, para barganhar cargos.
                   Nos Estados Unidos o Obama escolheu um prêmio Nobel de Física para ser o seu Ministro das Minas e Energia. Aqui, por critérios de barganha política, a Dilma escolheu o Edílson Lobão, um Odorico Paraguasu. É f*!
                   Mas como eu estava dizendo, barganhando cargos com os partidos e seus caciques ou comprando, em dinheiro vivo, diretamente, no mensalão, a Dilma transformou o Congresso Nacional num cartório para reconhecimento de firma sua. Se quiser vender a Amazônia o Congresso aprova.
                   Mas há o Ministério Público, investigando a cachorrada, e vem a PEC 37, castrando o Ministério Público, praticamente acabando com ele.
                   Mas há o Supremo Tribunal Federal, julgando a cachorrada denunciada pelo Ministério Público, e vem a PEC 33, praticamente acabando com o supremo.
                   Que poder resta? O Executivo. Isso tem nome: ditadura.

P 1 – E a Dilma? Qual é o papel da Dilma nessa história toda?
F C – Eu tenho pena da Dilma, ela me parece uma mulher honrada. Não paira sobre ela nenhuma acusação de corrupção, nem oficial nem oficiosamente, mas está cercada de mafiosos, sem poder fazer nada.

P 1 – Como não?
F C – Dificuldades políticas e afetivas. Políticas porque a base de sustentação é tão grande, tão  corrupta e tão poderosa que se se sentir ameaçada, a derrubam, como derrubaram Collor.
                   Mas vamos supor que ela consiga pô-los para fora. Ficará com uma oposição tão poderosa que o pais ficará ingovernável.
                   Vamos imaginar uma terceira hipótese, que ela consiga cassá-los e fazer cumprir as sentenças do supremo, colocando-os todos na cadeia. Praticamente teríamos um novo Congresso, de suplentes, tudo gente inexperiente.

P 1 – Você falou afetiva.
F C – Sim. Muitos dos condenados, a começar por Genoíno e José Dirceu são companheiros desde praticamente a adolescência deles, inclusive camaradas na guerrilha. Como entregá-los à polícia? Quero lembrar que a Dilma não é petista, nunca foi, talvez por isso não estar arrolada na máfia.

P 1 – Não?
F C – Não senhor. A Dilma não tinha carreira política, só empresarial, de gerenciamento. Só que ela fez uma administração tão boa numa estatal, acho que na Petrobrás, com tamanho espírito de liderança e medidas positivas que o Lula resolveu fazer dela a sua sucessora.
                   Ela se filiou ao PT dias antes de terminar o período legal, para contrariedade de todos os presidenciáveis do PT, todo mundo queimado pelo mensalão.
                   Lula percebeu que se um deles viesse candidato seriam tantas as acusações com provas que Serra levaria, e alçou a Dilma.

P 1 – Se você tivesse que apostar no futuro dela, qual seria?
F C – Eu a acho honesta, um cordeiro numa alcateia. Está fragilizada pelo que está vendo, sem poder fazer nada. Acho que mais adiante renuncia.

P 1 – Você acha que o PT degenerou?
F C – Não, se definiu.

P 1 – Como assim.
F C – Eu nunca fui petista, mas acompanhei a sua fundação e, depois, como sindicalista negociei com eles muitas e muitas vezes, ora formando alianças, ora em oposição. Assisti a toda evolução até chegar ao que é hoje.
                   O PT, de partido só tinha o nome, na verdade era uma frente, com um monte de tendências, de todo o espectro político, desde a extrema esquerda ao centro. Tinha corrente trotskista, leninista, anarquista, social democrata, trabalhista, socialista... Todos os progressistas desse país, que não cabiam nos partidos tradicionais, todos filhotes da ditadura, correram para o PT, assim que ele foi fundado.
Então a minha posição e dos demais companheiros, de outros partidos, era cruel,dependia não da sigla, PT, mas da corrente com que estávamos negociando, em nome do PT.
Quando eram trotskistas, eu estava à direita, quando eram sociais democratas, eu estava à esquerda, era uma merda.
                   E quando você tinha uma pauta encaminhada, depois de negociação, e vinha um cara de uma outra tendência do PT e discordava da p* toda... Sem reconhecer o que o negociador anterior acordou, em nome do próprio PT? Era terrível!
                   Entre todas essas correntes, havia uma, social democrata, chamada de Articulação, que era a de Lula, de posição social democrata. 
Lula nunca foi socialista, mas social democrata, desde a sua origem, eu acompanhei.
                   Por causa da porradaria interna, as tendências foram saindo, por dissidência, como o caso dos trotskistas, que fundaram o PSTU, ou foram expulsos, em processo disciplinares internos, deles lá, agregando-se a outros partidos de esquerda, de maneira que só restou a Articulação, social democrata, no primeiro mandato de Lula e que se tornou neoliberal no segundo mandato. 
Essa é a história do PT que está aí. O Brasil hoje tem dois partidos neoliberais disputando o poder: PT e PSDB. Cabe ao povo romper com esse bipartidarismo. Satisfeito?

P 1 – Você era de que partido, afinal?
F C – Eu nunca fui de partido, sempre fui desconfiado, não me subordino, nem a partido, nem a religião... Sou naturalmente insubordinado, ou insubordinável (risos). Pertenci ao MR-8 intermediário.

P 1 – C*! O que é MR-8 intermediário?
F C – Deixa eu explicar direitinho, que é para o ouvinte entender: MR-8 quer dizer Movimento Revolucionário oito de outubro, que é a data em que o comandante Che Guevara foi assassinado, na Bolívia. É uma dissidência do Partidão, como era chamado o Partido Comunista Brasileiro. O Partidão era contra o enfrentamento armado com a ditadura, então um grupo dissidente, que achava que era necessário ir às armas e enfrentar, criou esse movimento. Nosso líder era o Capitão Carlos Lamarca. Num primeiro momento, o mais duro, de enfrentamento direto, eu ainda não fazia parte, era muito novo, menino ainda. Entrei depois.

P 1 – Tomou parte em alguma ação armada?
F C – Não, por falta de oportunidade. Uma vez participei de um forte esquema de segurança a alguém importante, no subúrbio de Honório Gurgel, um bairro carioca. Eu estava disfarçado de doceiro, com armas escondidas na banca de jornal ao lado, para uma eventualidade (risos), observando a ação da repressão. Anos depois tive o orgulho. Orgulho não, honra, de saber que ajudei a dar segurança ao próprio Lamarca. Logo depois ele foi assassinado. A luta armada parou por aí, mas continuamos na clandestinidade, porque a repressão estava braba ainda, até que começaram as falcatruas econômicas, e caí fora.
                   Um dos poderosos de Brasília foi meu camarada mais ou menos íntimo, nessa época, e hoje é um filho da puta íntimo do governo.
                   Aí  o MR-8 degenerou, foi comprado pelo Quércia um corrupto paulista e f* tudo.

P 1 – Você chegou a ser preso?
F C – Nessa época não. Melhor: enquanto pertencia ao MR-8, uma vez. Depois que saí, tive duas detenções para averiguação, mas consegui me safar (risos).

P 1 – A Dilma era do MR-8?
F C ´- Não, era de outro grupo, não lembro mais, não sei se ALN, POLOP... Não lembro.

P 1 – E você, qual é a sua posição política, hoje?
F C – Depois de severa autocrítica, deixei de ser comunista, o comunismo é inviável, sob todos os aspectos, só muda o perfil da classe dominante, e de uma maneira mais cruel, mais violenta.
Acredito que um dia todo o planeta será comunista. É, em tese, o regime ideal, mas a humanidade precisa caminhar muito. Sistemas são reflexos do homem. 
Na fase atual da humanidade não estamos prontos para o comunismo nem para o cristianismo. O que existe são primitivas tentativas, todas sem êxito.
                   Sou socialista, acho que o homem tem que ser o centro de tudo, e não o dinheiro, o capital.
                   E que todos os que, pelo trabalho, produzem riqueza, têm que ter participação direta nessa riqueza, seja pela via direta, na forma de salários, seja pela indireta, com serviços públicos dignos, na mesma proporção da riqueza gerada.
                   Não faz sentido os que produzem a riqueza da quinta potência econômica do mundo terem padrões salariais e de assistência pública de tribo.
                   E democrata. A democracia é uma merda, mas a humanidade ainda não inventou coisa melhor. Vivi na ditadura. É muito bom ser livre. Falar o que estou falando sem medos, ou tendo que se esconder depois, para continuar vivo.
                   Sou socialista democrático, favor não confundir com social democrata, que é coisa de FHC e Aécio (risos). Fora da democracia não há salvação! (mais risos)

P 1 – Na sua opinião, qual é o futuro desse movimento que está nas ruas?
F C -  A tendência é se politizar. Os partidos políticos, quer queiramos ou não, vão começar a influenciar. Como está não dá. Primeiro porque numa democracia os partidos políticos é que definem posições ideológicas e propostas de administração e gerenciamento.
                   Segundo, que movimentos espontâneos e sem lideranças, como está posto, só funciona num primeiro momento. A partir daí é anarquismo. E o anarquismo é inviável, ainda mais num planeta de economia padronizada, neoliberal. O anarquismo foi sempre uma utopia, desde Proudhon, não será agora que dará certo.
                   E há mais um detalhe: sem a participação do setor produtivo, dos trabalhadores, não mudamos nada, e as corporações laborativas, dos trabalhadores, como os sindicatos, estão nas mãos dos partidos. Alijando-os, alijamos os sindicatos.

P 1 – A que você atribui essa ojeriza, essa raiva que o povo está dos partidos?
F C – A ladroagem. Os ladrões estão em todos os partidos, tendências, facções. Vai da extrema esquerda à extrema direita, e aí as siglas foram associadas, lógico. Mas existe gente de bem em todas elas, é garimpar.
                   O brasileiro tem um problema sério: não concordar é ser inimigo.  Não é assim. Prefiro discutir uma questão, negociar, com um conservador ético, honesto, do que com um progressista safado. Um fascista cujo único erro seja o seu equívoco ideológico faz menos estrago do que um socialista corrupto, ladrão. Digo em termos de desenvolvimento da sociedade.
                   Repara que até agora verticalizei pra cima, mas tem também de cima para baixo, o que o estado não nos dá, que é a dignidade. O povo brasileiro perdeu a pouca dignidade que tinha.

P 1 – Como assim?
F C – Você mora numa rua descalçada, e isso é comum até em bairros de classe média, com mosquitos pra c*, sai de manhã num ônibus velho, que já chegou atrasado, cheio, passagem cara. Ganha um salário de merda. No fim da tarde a mesma coisa pra voltar. Vê que o seu filho não está aprendendo nada na escola, que a educação brasileira é a penúltima do mundo, segundo a própria UNESCO, passa mal e vai encarar uma fila de três horas num hospital público, se tiver que ficar internado fica em uma maca, no chão. Cercado de balas perdidas, sabendo que a polícia pode meter o pé e arrombar a tua porta a qualquer momento... O que é que você vale, qual é a sua dignidade? Excetuando o direito de ir e vir, um animal no Zoo é melhor tratado do que você. Dá ódio, põe nas passeatas, claro.
                   Qual é a sua relação com o estado? Nenhuma, a sua relação é sempre com um intermediário: chefia do narcotráfico, milícia, igreja, cacique político local...
                   Os coronéis ainda estão muito fortes no Brasil, aqui ainda existe essa excrescência medieval. Uma amiga minha está apavorada com a situação, no Rio Grande do Sul, temendo não pelo futuro do Brasil, mas da própria família, já que é militante do PT e conhece a ferocidade e a capacidade de predação dos coronéis locais. No interior do Brasil todo é essa zona paleolítica, pré-histórica, coronéis como agentes do estado.
                   Você sustenta um estado que não existe pra você. Então rua, para reformar o estado e trazê-lo até você.
                   Fora coronéis, milícias, narcotráfico, padres, pastores, caciques... Não votei neles. Quero o Estado a meu serviço e não a serviço deles porque me usam.

P 1 – Você não acha que a gente tem um pouco de culpa nisso, que a gente vota errado?
F C – Claro, isso é claríssimo. Nenhum deles está lá na marra, chegou lá pela força das armas, nós os colocamos lá.

P 1 – Tá repetindo Pelé, o povo não sabe votar?
F C – (risos) O negão só fala merda, o Romário disse que Pelé calado é um poeta (risos), mas dessa vez ele teve as suas razões.
                   Vou te dar um exemplo: o povão está nas ruas, querendo arrancar o saco e comer o rabo do atual prefeito, uma nulidade com empáfia de estadista de subúrbio.
                   Nas eleições passadas era ele e o Gabeira. Sem nada na cabeça, sem nenhum conhecimento de política, sem ideologia – o atual prefeito já passou por seis partidos diferentes, criaram a sua tática eleitoral: desqualificar Gabeira. E aí... É viado, é guerrilheiro, é maconheiro...
                   E aí eu: que viado, gente, ele colocou uma sunguinha lilás para sacanear a ditadura, que era de machistas, o cara é casado tem filho, gosta de mulher. Não é guerrilheiro, lutou para que você hoje tenha o direito de estar falando isso dele. É um herói, levou uma rajada de metralhadora defendendo o povo, é um sobrevivente. Que maconheiro! Defende a legalização da maconha para acabar com o narcotráfico e a corrupção política e policial. É um cara vivido, jornalista conceituado, já viajou o mundo. Não paira sobre ele nenhuma denúncia de desonestidade... E elegeram um aventureiro incompetente que está aí, a ponto de dar soco na cara de um cidadão que lhe sustenta as mordomias, um mafiosinho de calçadas.
                   Mas o eleitor não é tão culpado assim, é um analfabeto, tanto político quanto intelectual, o sistema o quer assim, para se preservar.

P 1 – Chico... Ops, desculpe.
F C – Pode chamar de Chico mesmo, não tem problema, é assim que os mais íntimos me chamam (risos). Então, a cabeça do eleitor: e lá vou votar em viado? Voto é em quem gosta de xota, igual a mim. Votar em assaltante de banco, eu? Sim, porque para o analfabeto político assaltante de banco e guerrilheiro é mais ou menos  mesma coisa. Voto nele, não. Não gosto de maconheiro... Ninguém avaliou propostas políticas e administrativas, algumas delas em vã tentativa de implantação, por esse governicho municipal de merda que está aí.
                   Reclamam melhoria na educação, escola em tempo integral, assistência médica nos moldes internacionais de médicos de famílias, combate frontal à corrupção... Procura aí um livreto com o projeto da administração Gabeira: pedem agora o que recusaram a quatro anos atrás. E olha que não sou Gabeirista não, mas era a melhor proposta no momento.

P 1 – A posição de política e religião eu não discuto.
F C – E futebol. O brasileiro não consegue perceber quando um atacante está impedido, mas se julga melhor que o Felipão e o Parreira, para definir escalação do time, técnicas e estratégias de jogo (risos).
                   O cara não discute política, nunca leu nada de política. Não sabe o que é ser de centro, direita, esquerda, progressista, conservador, a diferença entre um socialista e um neoliberal... Aí vem as eleições e o cara não vota nesse porque disseram que é viado, naquele porque não vai com a cara dele... Aí vota no candidato da milícia porque é um cara legal, naquele porque a menina acha que é bonito pra c*, nesse porque estou comendo uma mulher muito gostosa e ela me pediu para votar no tio dela, nesse porque patrocinou um torneio de futebol aqui no bairro... Aí começa a dizer que todo político é filho da puta, mas quem colocou o filho da puta lá?
                   Se me recuso a discutir qualquer coisa só pode ser por um dos dois motivos: não sei p* nenhuma sobre o assunto, não tenho o que falar, vou sair com os meus brios machucados, após a discussão, ou então acho que sei a p* toda e o meu interlocutor é um jumento.
                   Normalmente as pessoas não discutem julgando-se estar na segunda posição, sabem tudo de tudo. A vida me mostrou que quanto menos alguém sabe de alguma coisa mais julga saber.

P 1 – Faltou falar das religiões.
F C – Vocês gostam (risos). O povo brasileiro é um povo abençoado, para usar um jargão da moda. Vivemos nos limites do físico e do metafísico, entre esse mundo e o outro. Os espíritas e de religiões afro são íntimos dos espíritos, que já reservaram um lugarzinho bom para eles, lá do outro lado. Conversam com espíritos, corrompem orixás com oferendas... Os católicos conversam com os santos, que os ouve, e com a fidelidade de um cão doméstico lhes atendem os pedidos e rogos. Os evangélicos são íntimos do Espírito Santo, parceiros de ceia e discussões com Jesus, sempre prontos a cumprirem o que lhes é pedido ou rogado, ainda que seja para f* com o próximo (risos), todo mundo salvo. Acho tudo isso surreal, coisa de povo subdesenvolvido mesmo, que ainda não teve escola, mas uma instituição falida que os amestrou para o mercado de trabalho. Repara que esse posicionamento é de terceiro mundo, só na América Latina e África. (risos)

P 1 – O nosso tempo está terminando, o colega do próximo programa já chegou, mas uma pergunta final: e o vandalismo nas passeatas?
F C – A primeira coisa a ressaltar é que é feito por uma minoria ínfima, coisa de dezenas, talvez de centenas, num universo de milhão. A mídia, dependente da corrupção do poder, que anuncia a peso de ouro, perdoa ou rola dívidas dela, é que, para preservar essas regalias, ressalta o vandalismo.
                   Estive na passeata do milhão, essa última. Se todos fossem vândalos dizimariam em minutos todo o aparato policial, destruiriam a cidade em minutos, e no entanto o que ouvi da quase totalidade foi “sem violência” e “violência não”, com o mesmo ímpeto que cantavam o Hino Nacional.
                   Depois você tem que separar o vandalismo da bandidagem.
                   O vândalo só quer destruir e, principalmente, o conflito com a polícia, é um provocador, um agressor.
                   Ele passa, quebra os sinais de trânsito, as vitrines, incendeia carros, apedreja a polícia e continua em sua marcha de destruição.
                   O bandido não está interessado nisso. Ele quer depredar agências bancárias, para pegar o dinheiro dos caixas eletrônicos e os computadores. Ele quer depredar joalherias, para roubar. Querem se aproveitar da situação criada pelos vândalos para fazerem no atacado o que fazem todo dia, o dia todo, no varejo. Não saqueiam os manifestantes, roubando-lhes relógios, celulares e máquinas fotográficas porque seriam linchados, é muita gente junta, mas são os ladrõezinhos nossos de cada dia.

P 1 – E de onde vem essa gente?
F C – Os vândalos são o subproduto dessa nossa cultura da violência, os marombeiros de academias, que querem ter força e beleza física para se impor, compensando a ausência de cérebro. Os praticantes de artes marciais, não para defesa ou competição, mas para o ataque... Os neonazistas... Os mesmos vândalos de todos os finais de semana, depois que os bailes e eventos acabam. A polícia sabe quem são, mas são quase todos filhinhos de papai, da classe rica, são impunes. Claro que há os violentos de subúrbios também, as gangues.
                   Os bandidos são de duas origens: o bandidinho comum, não organizado, que fica na espreita, esperando o caos, para se apoderarem de parte do roubo, e os bandidos organizados, os de mais difícil combate.

P 1 – Por quê?
F C – Por causa da corrupção policial e da corrupção política. Cada batalhão, delegacia policial e gabinete político tem uma caixinha alimentada pelo narcotráfico, desmonte de carros roubados, extorsão no transporte alternativo, venda clandestina de gás, redes de tevês a cabo piratas... E são esses bandidos, chefões, é que arregimentam inocentes úteis nas comunidades carentes, ou mandam os seus próprios “funcionários” vandalizar e roubar, enfraquecendo as instituições, o que lhes facilita a ação.

P 1 – A violência policial.
F C – Melhorou. Na primeira semana é que tivemos uma policia criminosa.

P 1 – Você tem uma opinião do porque da mudança?
F C – Claro. A polícia não estava preparada para dar enfrentamento a um movimento político, então encarou manifestantes como criminosos, e agiu como age em todos os dias nas comunidades pobres: porradas, gás de pimenta, lacrimogênio, balas de borracha, balas perdidas, fúria animal...
                   Aí  aconteceu duas coisas: primeiro que os pais daqueles adolescentes que estão nas passeatas são seres pensantes e com influência na sociedade, não são os carentes das periferias, sem vez e sem voz. E começaram a gritar, em defesa dos seus filhos.
                   Segundo que começou a haver uma certa cumplicidade da polícia. Afinal os filhos dos policiais frequentam uma escola de merda, são atendidos em hospitais de merda, viajam em ônibus de merda com passagens caras. Estão também atentos aos noticiários e têm páginas no face, sabem de todas as sacanagens. Aí afrouxaram na violência.
                   Na última passeata, a de sábado, lá em Campo Grande, o subtenente que negociou a segurança conosco, estava mais para manifestante que para repressor.
                   E que uma coisa fique bastante clara: do lado de cá temos manifestantes, vândalos e bandidos, mas nas fileiras policiais temos policiais, vândalos e bandidos também.
                   O policial que dá porradas pelo simples prazer de dar, sem necessidade, ou que lança granadas de gás lacrimogênio ou de efeito moral a esmo, pelo simples prazer de ver as pessoas correndo, em debandada, é vândalo.
                   O policial que atira com balas de borracha apontando para os rostos das pessoas, contrariando a ordem de atirar abaixo da linha da cintura, ou que faz talhos nas balas de borracha, transformando-as de não letais em letais, é bandido.
                   Cabe à sociedade expurgar exemplarmente os vândalos e bandidos dos dois lados.

P 1 – Já invadimos cinco minutos, desculpa aí ao colega que vai entrar. Mais alguma coisa, Chico?
F C – Houve um poeta maravilhoso, chamado Castro Alves, que escreveu: “A praça é do povo/como o céu é do condor...”
                   A praça é nossa novamente, não é mais só da polícia e dos políticos. Vão acontecer novas passeatas, é muito importante que estejamos todos nelas.
                   Só com uma demonstração de força muito forte mudaremos esse país.
                   Essa rádio atinge boa parte da Barra da Tijuca, do Recreio e de Jacarepaguá. Estou sendo ouvido por gente muito importante, e importante, para mim, é você que mora num duplex, num condomínio, na Barra, mas de mesma importância, você que está num barraquinho aí na Cidade de Deus.
                   É hora de juntarmos forças, para darmos a nossos filhos e netos um país melhor, com saúde, educação e justiça social.
                   Obrigadão pela paciência e a atenção. Um beijão em cada coração brasileiro. A luta continua!

FIM

                   

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